- LOBAS –
'São Raras, verdadeiras espécimes em
risco de extinção. Você não vê muitas pelas ruas, definitivamente não. É
difícil cruzar com elas, mas se você tem a sorte (ou azar) de fazer isso, com
certeza vai identificá-la através do contraste com todo o resto.
A grande maioria a teme, como um bicho arredio e Selvagem que é.
Ela tem uma beleza incomum, fora dos padrões comumente admirados. Na verdade
sua beleza é bem relativa. Ela é atípica. É ágil, rápida. Utiliza isso para
capturar suas presas, que devora num instante de segundo.
É Fiel, protetora, vive e morre pela sua alcateia. Com seu espírito arisco, tem
seu pêlo em uma sedutora desordem, fascinante, com força e viço.
Não se rende. Não se entrega - Não se ela não quiser!
Conhece a vida na mata, os ciclos da vida, do nascer e do morrer.
Sabe o prazer que se esconde em cada estação, se move com a leveza do vento,
com a rapidez das gotas de chuva e a força das corredeiras.
Conhece seus próprios momentos, e não luta contra o inevitável.
Não subestima as forças, mas as estuda, aprende, e subjuga. Ela e sua Sabedoria
instintiva.
Corre com os outros, brinca e uiva para
a lua, e de repente cisma, e implica que quer ficar sozinha, correr pela mata
sem ser atrapalhada ou ter que se preocupar com nada ou ninguém.
Ela encanta, talvez pelo seu mistério. Ela tem um não-sei-o-quê
inexplicável, indecifrável. Eu mesmo já desisti de entender.
Só cruzei com uma dessas uma vez, mas é uma daquelas coisas que você não
esquece. Nos olhamos, e foi como ver um turbilhão de sentimentos pelos seus
olhos caninos. Ela passou rápido por mim, mas não sem causar espanto e sensação
de sacralidade suficientes.
Nunca soube onde ela morava; depois descobri que ela não tinha morada fixa,
hoje aqui, amanhã ali e mais tarde em qualquer lugar.
Seu lar era seu mundo, seu lugar era onde quer que ela pudesse descansar.
Ela não criava laços, afeições. Tinha medo de se fixar e se tornar a caça ao
invés do caçador. Temia ficar susceptível. Como se eu não soubesse o quanto
susceptível ela era.
De repente, estávamos lá, no meio do campo que ela adorava varar em corrida
disparada, e quando eu dava por mim, eu não via mais o animal ameaçador,
destruidor. Lá estava um filhotinho perdido, com medo, assustado, que eu punha
no colo e esperava adormecer.
Ora isso, ora aquilo. As várias faces que AS LOBAS podem ter.
Não é fácil lidar com animais Selvagens. Eles são tudo, menos previsíveis!
Mas não fui enganado, ela nunca mentiu acerca disso, e vez ou outra, vendo que
eu teimava em desacreditar do seu Espírito que pertence ao mundo, da sua
necessidade de Liberdade, ela me lembrava da nossa instabilidade discretamente,
da impossibilidade da união entre o Homem e o animal Selvagem.
... Como quando eu a queria ninar em meus braços, quando ela parecia um filhote
indefeso, e ela vinha me recordar seus instintos, com uma feroz baforada no
pescoço. Eu me assustava, olhava em volta, mas não conseguia ver além do
filhote que eu botava para dormir. Nada ameaçador.
Mas eu sabia que ela estava ali dentro, a exuberante Fera.
Acabou que me acostumei com a presença dela, me acostumei com o que ela não
podia me dar. Não por muito tempo.
E assim foi um dia em que ela me olhou e me deixou em seguida, com sua corrida
que não pude alcançar. Sua correria de animal Selvagem.
O perfume que deixou era o suor da Liberdade. Ela e suas presas, que me revelou
quando sorriu antes de me dar as costas.
Era mesmo um sorriso? Não sei. Muita coisa não sei. Ela me deixou com todas as
peguntas e quase nenhuma resposta.
Hoje tenho arrepios às vezes, e penso que é ela, à espreita, me observando, me
vigiando.
Ela não pode ser capturada, nem domesticada, nem subjugada pelas suas regras.
Ela tem seu próprio código. Ela é escorregadia, dissimulada, camufla-se em meio
a mata e só se mostra a quem lhe aprouver.
Ela é o puro equilíbrio entre a Natureza e a Civilização, entre a bondade e
maldade, a harmonia das canções do Universo, o centro de todos as coisas,
movendo-se com maestria de uma versão a outra dos sentimentos, das aversões da
condição humana. Humana sim, pois ela é a pura confusão de ser Mulher:
Selvagem.'
((Jun, 2009 - Klécia Melo))
LUZ, BENÇÃOS E PAZ - DE MULHER SELVAGEM PARA MULHER SELVAGEM,
'LOBA' EM MIM REVERENCIA A 'LOBA' EM
VOCÊ
GLÍCIA ARAGÃO - A FADA FELIZ BAILANDO