segunda-feira, 27 de setembro de 2010

Relações Coletivas de Trabalho


As Negociações Coletivas possuem autonomia para flexibilizar e precarizar direitos trabalhistas?
Qual o limite a esse papel nas normas coletivas?


Com base na Constituição, com relevante valor à sua supremacia, foi ela que iniciou, sem dúvida, a transição para a democratização do sistema sindical brasileiro, mas sem concluir o processo. Na verdade, construiu certo sincretismo de regras, com o afastamento de alguns dos traços mais marcantes do autoritarismo do velho modelo, preservando, porém, outras características notáveis de sua antiga matriz.

Nesse quadro, a Carta Magna afastou a possibilidade jurídica de intervenção e interferências político-administrativas do Estado, via Ministério do Trabalho e Emprego, no sindicalismo (art. 8º, I, CF/88). Reforçou o papel dos sindicatos na defesa dos direitos e interesses coletivos ou individuais da categoria, inclusive em questões judiciais e administrativas (art. 8º, 111, CF/88). Alargou os poderes da negociação coletiva trabalhista, sempre sob o manto da participação sindical obreira (art. 8º, VI; art. 7º, VI, XIII, XIV e XXVI, CF/88).

Entretanto, manteve o sistema de unicidade sindical (art. 8º, II, CF/ 88), insistindo na categoria profissional como fórmula de agregação dos trabalhadores (art. 8º, II). Preservou também o financiamento compulsório das entidades integrantes da estrutura sindical (art. 8º, IV, CF/88). Deu ainda continuidade ao poder normativo concorrencial da Justiça do Trabalho (art. 114, § 2º, CF/88), deixando, finalmente, ainda por onze anos, neste ramo do Judiciário, o mecanismo de cooptação de sindicalistas, conhecido como representação classista (que somente foi extinta pela Emenda Constitucional 24).

No Direito do Trabalho, a legislação é fonte primordial do Direito, seguida do costume. A convenção coletiva e a sentença normativa também são fontes do direito. Após estas, temos o contrato, que sofre as restrições decorrentes da desigualdade econômica que tanto afeta a autonomia de vontade do empregado. A jurisprudência é o modo pelo qual o Judiciário aplica reiteradamente o direito. A analogia é a operação lógica em virtude da qual o intérprete estende o dispositivo da lei a casos por ela não previstos; com ela o juiz aprecia o sistema jurídico em seus fundamentos e na sua teologia, extraindo o princípio aplicável1. A equidade é: a) o sentido de justiça2; b) o decidir-se um litígio que não se enquadra com perfeição em nenhuma hipótese legislativa3. Outros princípios gerais: fundamentos e pressupostos do direito universal; não só do direito nacional como dos elementos fundamentais de cultura jurídica humana em nossos dias; e que se extraem das idéias que formam a base da civilização hodierna4. Usos e costumes: práticas ou modos de agir, costumes seguidos, com constância e espontaneidade, formando regras jurídicas, nos vãos ou lacunas da lei5, é menos vital o papel dessa fonte formal. Direito comparado: as normas jurídicas de outras nações, analisadas. Incidente de uniformização e orientação jurisprudencial da SDI e TST (art. 896).

O Princípio da Autonomia Sindical é um princípio especial do Direito Coletivo do Trabalho, que cumpre o papel de assegurar condições à própria existência do ser coletivo obreiro. Tal princípio sustenta a garantia de autogestão às organizações associativas e sindicais dos trabalhadores, sem interferências empresariais ou do Estado. Trata-se, portanto, da livre estruturação interna do sindicato, sua livre atuação externa, sua sustentação econômico-financeira e sua desvinculação de controles administrativos estatais ou em face do empregador.

Assim, as hipóteses em que se tem admitido a flexibilização dos direitos trabalhistas mediante negociação coletiva são: a) pagamento proporcional do adicional de periculosidade ao tempo de exposição ao agente de risco (Súmula nº 364, II, do TST); b) redução do intervalo intra-jornada para a categoria dos motoristas (conforme precedente jurisprudencial da SDC-TST);(5) Rev. Jur., Brasília, v. 8, n. 79, p.01-07, jun./jul., 2006 4; c) limitação do pagamento de horas in itinere a uma diária, independentemente do tempo efetivamente gasto pelo empregado em condução fornecida pelo empregador (precedentes da Corte); d) no que diz respeito aos minutos residuais, tolerância de 15 minutos antes e 15 minutos depois da jornada de trabalho sem o pagamento de horas extras (precedentes da Corte).

No entanto, tem sido rejeitada a flexibilização nas hipóteses de:
a) turnos ininterruptos de revezamento, quando não demonstrada a compensação com vantagem substitutiva (a matéria se encontra aguardando definição do Pleno do TST em Incidente de Uniformização de Jurisprudência em torno da Orientação Jurisprudencial nº 169 da SBDI-1 do TST);
b) regime 12x36 horas, determinando-se o pagamento como horas extras das 11ª e 12ª horas (precedentes da Corte);
c) não redução do intervalo intra-jornada fora da hipótese de motoristas (Orientação Jurisprudencial n. 342 da SBDI-1 do TST);
d) redução do período de estabilidade da gestante (precedentes da SDC-TST).

Para Ives Gandra6, “a flexibilização das normas trabalhistas, diante da indefinição legislativa quanto aos limites e parâmetros do acordo coletivo. Ressalta-se que o fracasso da reforma trabalhista aliado à incapacidade da justiça do trabalho de dirimir todos os conflitos que lhe chegam diariamente incitou a valorização da negociação coletiva. Diante disso, caberá ao Judiciário Laboral nortear essa questão, na esperança de que não se perpetue o "protecionismo às avessas".

Já Valentin Carrion7, sustenta que “os princípios da flexibilização e da autonomia privada coletiva consagrada na Constituição da República (art. 7º, incisos VI, XII e XXVI), conferem aos sindicatos maior liberdade para negociar com as entidades patronais, valorizando assim, a atuação dos seguimentos econômicos e profissionais na elaboração de normas que regerão as respectivas relações, cuja dinâmica torna impossível ao Poder Legislativo editar leis que atendam ã multiplicidade das situações delas decorrentes”.

Falar em flexibilização significa abordar um tema de grande controvérsia. Conclui-se, que, a Convenção Coletiva pode, portanto, ter tanto regras para melhorar as condições de trabalho como condições “in peius”. Assim, se as partes não quiseram a incorporação, esta não ocorrerá, pois há barganha para obtenção de novas condições de trabalho, implicando concessões recíprocas. A negociação entre as partes é feita no sentido de estabelecer concessões recíprocas para a outorga de outros benefícios. Se for suprimido determinado benefício, pode ter ocorrido de, no conjunto, terem atribuído melhores benefícios aos trabalhadores. Logo entendo que a alteração “in peius” das condições de trabalho, com fulcro na negociação coletiva entre as partes, mormente pelo reconhecimento do conteúdo das convenções e acordos coletivos, prestigiando a autonomia privada coletiva dos convenentes.

Quanto ao limite a esse papel nas normas coletivas, deve ser analisada sempre a legislação primordial, a jurisprudência, a analogia, os princípios gerais, enfim, todos os demais requisitos permitidos para suprir as lacunas existentes na Lei. Diante da indefinição legislativa quanto aos limites e parâmetros da negociação coletiva, caberá à Justiça do Trabalho, como um todo, e ao TST em particular, como seu órgão de cúpula e intérprete máximo da legislação laboral, assinalar o norte para a negociação coletiva. Espera-se que não o faça mantendo uma rigidez, em nome da proteção ao trabalhador.

NOTAS:
1. Clovis Beviláqua, Código Civil, v. 1.
2. Carlos Maximiliano, “Hermenêutica”.
3. Miguel Reale, “A equidade no direito do trabalho.
4. Clovis Beviláqua, Código Civil, v. 1.
5. Amaro, “Tutela.”
6. Ives Gandra da Silva Martins Filho - Ministro do Tribunal Superior do Trabalho, Mestre em Direito Público pela Universidade de Brasília, Professor de Filosofia do Direito do Instituto Brasiliense de Direito Público, Coordenador do Curso de Pós-Graduação em Direito do Trabalho do Centro de Extensão Universitária, Membro da Academia Nacional de Direito do Trabalho e da Academia Paulista de Magistrados.
7. Valentin Carrion – Comentários a Consolidação das Leis do Trabalho – pag. 623 – 33 Edição.

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

1. .Ives Gandra da Silva Martins Filho - Ministro do Tribunal Superior do Trabalho, Mestre em Direito Público pela Universidade de Brasília, Professor de Filosofia do Direito do Instituto Brasiliense de Direito Público, Coordenador do Curso de Pós-Graduação em Direito do Trabalho do Centro de Extensão Universitária, Membro da Academia Nacional de Direito do Trabalho e da Academia Paulista de Magistrados - Rev. Jur., Brasília, v. 8, n. 79, p.01-07, jun./jul., 2006.
2. CARRION, Valenti, - 1931-2000 – Comentários à Consolidação das Leis do Trabalho/Valentin Carrion. – 33. Ed. Atual. Por Eduardo Carrion. – São Paulo: Saraiva, 2008.
3. MACHADO, Costa. - CLT Interpretada. – Ed. Manole Ltda, Edição Brasileira 2007.
4. MARTINS, Sérgio Pinto. – Direito do Trabalho – 25º Edição – Editora Atlas 2009.
5. CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1998.

Por Lucileyma