sexta-feira, 30 de maio de 2014

Ame e Dê Vexame


“Os amantes sabem que só se ama por inteiro, ou então o que estão fazendo não é amor, mas uma associação de interesses mútuos, um negócio. Além disso, quando se ama, não se está  pensando em segurança, duração, controle, posse, pois isso corresponde à forma com que o autoritarismo capitalista familiar ou de estado se expressa no plano pessoal e afetivo. Se sou um  libertário, desejo que tanto eu quanto o meu parceiro vivamos o amor em liberdade, na emoção, no espaço e no tempo. É o amor  em si mesmo que comanda a intensidade, a beleza, a forma e a duração do nosso amor, em cada um e entre os dois, jamais o contrário.

(...)

O amor, para mim, só pode ser expresso pelas artes e viajado pela poesia. Mas falar científica ou literariamente do amor e explicá-lo psicologicamente não significa absolutamente saber o que ele é e como ele funciona. Descubro ser o mistério a sua natureza mesma. Desvendá-lo é assassiná-lo. Só podemos, pois, senti-lo, jamais compreendê-lo. Quem começa a entender o amor, a explicá-lo, a qualificá-lo e quantificá-lo já não está amando. Procurei resumir assim, neste livro, minhas conclusões: do amor só se pode fazer necrópsia, jamais biópsia."


Roberto Freire - Ame e Dê Vexame 

“Somos queijo gorgonzola”



“Somos queijo gorgonzola” 

Estamos envelhecendo, estamos envelhecendo, estamos envelhecendo, só ouço isto. No táxi, no trânsito, no banco, só me chamam de senhora. E as amigas falam “estamos envelhecendo”, como quem diz “estamos apodrecendo”. Não estou achando envelhecer esse horror todo. Até agora. Mas a pressão é grande. Então, outro dia, divertidamente, fiz uma analogia. O queijo Gorgonzola é um queijo que a maioria das pessoas que eu conheço gosta. Gosta na salada, no pão, com vinho tinto, vinho branco, é um queijo delicioso, de sabor e aroma peculiares, uma invenção italiana, tem status de iguaria com seu sabor sofisticadíssimo, incomparável, vende aos quilos nos supermercados do Leblon, é caro e é podre. É um queijo contaminado por fungos, só fica bom depois que mofa. É um queijo podre de chique. Para ficar gostoso tem que estar no ponto certo da deterioração da matéria. O que me possibilita afirmar que não é pelo fato de estar envelhecendo ou apodrecendo ou mofando que devo ser desvalorizada. Saibam: vou envelhecer até o ponto certo, como o Gorgonzola. Se Deus quiser, morrerei no ponto G da deterioração da matéria. Estou me tornando uma iguaria. Com vinho tinto sou deliciosa. Aos 50 sou uma mulher para paladares sofisticados. Não sou mais um queijo Minas Frescal, não sou mais uma Ricota, não sou um queijo amarelo qualquer para um lanche sem compromisso. Não sou para qualquer um, nem para qualquer um dou bola, agora tenho status, sou um queijo Gorgonzola.


Maitê Proença