terça-feira, 14 de setembro de 2010

Direitos Fundamentais e tutela do empregado


Em que aspecto o art. 62 da CLT pode representar ofensa ao direito ao lazer, assegurado ao trabalhador.


Com base na Constituição da República Federativa do Brasil, com relevante valor à sua supremacia, toda autoridade só nela encontra fundamento e só ela confere poderes e competências governamentais; onde nem o governo Federal, nem os governos dos Estados, nem dos Municípios ou do Distrito Federal são soberanos, porque todos são limitados, expressa ou implicitamente, pelas normas positivas daquela lei fundamental. Conclui-se, portanto, que todas as normas que integram a ordenação jurídica nacional só serão válidas se estiverem de acordo com as normas da Constituição.

O Art. 6º da Constituição menciona o lazer entre os direitos sociais do trabalhador, sua natureza social decorre do fato de que constituem prestações estatais que interferem com as condições de trabalho e com a qualidade de vida.

Lazer, nada mais é, do que a entrega à ociosidade repousante. O direito ao repouso nada mais é, do que um direito fundamental do qual a dignidade do trabalhador, deve ser respeitado com a mesma proteção que se dá à vida, à liberdade e à propriedade. O lazer engloba o descanso, o divertimento, a recreação, o convívio familiar etc.

O ócio é uma garantia constitucional e legal do empregado. “O ócio não é a negação do fazer, mas ocupar-se em ser o humano do homem.” (Oswald de Andrade1). Para Otávio Amaral Calvet2, “O lazer é direito social de todos os trabalhadores, subordinados ou não, possuindo dois aspectos: econômico e humano. A todos os trabalhadores reconhece-se a necessidade de uma limitação da duração do trabalho e o direito ao gozo do lazer, o que implica uma alteração na interpretação de institutos previstos na ordem infraconstitucional e na conduta do tomador do serviço, reconhecendo-se a posição jurídica subjetiva ao trabalhador de obtenção de tutela judicial com eventual reparação por dano imaterial sempre que lesionado esse valor, tanto na relação de emprego quanto nas demais relações privadas de trabalho, estas na medida de hipossuficiência do trabalhador”.

O trabalhador foi elevado, a cidadão merecedor de direitos, pelo princípio da dignidade da pessoa humana e pela socialbilização da relação de trabalho. Destaca-se, que a Consolidação das Leis do Trabalho, em seu artigo 62, menciona que os empregados que exercem atividade externa incompatível com a fixação do horário de trabalho (gerentes, diretores que exercem cargo de confiança, de mando, comando, gestão dentro da empresa, e ainda, vendedores, viajantes, os motoristas de ônibus e caminhão que fazem viagens para outros municípios ou estados, os vendedores propagandistas etc) estão excluídos do controle de jornada de trabalho, devendo tal condição ser anotada na carteira de trabalho e no registro de empregados e o salário do cargo de confiança, deve ser acrescido de gratificação correspondente a 40% (quarenta por cento).

A doutrina é divergente, no que diz respeito à ofensa ao direito de lazer do trabalhador, para Valentim Carrion3, “não têm direito, em princípio, a jornada normal mínima, nem remuneração de outras horas além das horas normais, e nem adicional por trabalho extraordinário. A referência “trabalho normal” (CF, art. 7º, XIII) afasta o entendimento de que o art. 62 teria sido revogado por não ter sido recepcionado pela Constituição Federal”. Para Armando de Brito4, “o artigo 62 da CLT foi recepcionado pela atual Carta Magna, pois exceptua circunstâncias de trabalho não sujeitas a horário ou nas quais o controle da jornada se faz impraticável, em presença das quais inexiste obrigação de remunerar como extraordinário o trabalho prestado. Essas disposições, por específicas, não se atritam, mas, ao contrário, se complementam a norma genérica do art. 7º, inciso XIII, da CF”.

Para Sérgio Pinto Martins5, “o art. 62 da CLT seria inconstitucional, pois o inciso XIII do art. 7º da Constituição estabelece que o empregado deve trabalhar oito horas diárias e 44 semanais. Entretanto, o art. 62 da CLT não está mencionando que o empregado deve trabalhar mais do que a jornada especificada na Constituição, apenas que aquelas pessoas que não tem controle de horário ou os gerentes, de modo geral, deixam de ter direito a horas extras, pois no primeiro caso é difícil dizer qual o horário em que prestam serviços, por trabalharem externamente, e no segundo caso o empregado faz o horário que quer, podendo entrar mais cedo e sair mais tarde, ou entrar mais tarde e sair mais cedo, a seu critério. Neste último caso, verifica-se que o poder de direção do empregador é muito menor, e em muitos casos é o empregado que determina muitas coisas, justamente por ter encargo de gestão. Assim. Não tem tais pessoas direito a horas extras e não é inconstitucional o art. 62 da CLT.”

Já para outros, como Guilherme Cendron6, “o artigo 62 da CLT, ainda em vigor, à medida que faz exclusão, é odioso, repugnante e maldoso, pois fere o espírito protetor dado ao trabalhador brasileiro, cujos direitos foram conquistados graças ao seu suor e sangue ao longo da história. É, pois, um dispositivo digno de ser exonerado do ordenamento jurídico brasileiro, cujas regras enobrecem o trabalhador, a verificar-se pela atual Constituição. De todo o exposto, tem-se que a duração da jornada de trabalho no Brasil é de oito horas, como quer a Constituição Federal de 1988, em seu artigo 7º, inciso XIII, para todo e qualquer trabalhador, sem ressalva alguma. Ainda, deve-se considerar para qualquer profissional como trabalho extraordinário e sujeito à contraprestação o que extrapolar esse número constitucional. Não tem mais valia, enfim, o artigo 62 da CLT ao fazer exclusão das duas categorias de trabalhadores a que se refere da regra geral superior tutelar da jornada de trabalho brasileira”.

Conclui-se, portanto, que a proteção jurídica ao limite da jornada de trabalho e os direitos sociais do trabalhador, consagrados nos incisos XIII e XV, do art. 7º da Constituição, confere, respectivamente, a todos os trabalhadores, indistintamente, os direitos ao repouso semanal remunerado e à limitação do art. 62 da CLT, não se revela incompatível, pois abrange, justamente, o grupo de atividades que estão fora da duração normal do trabalho prevista na norma constitucional. São atividades que merecem normatização diferenciada, exatamente porque cria uma situação excepcional, de trabalho para o empregado, o que não significa dizer que o lazer, o descanso, o divertimento, a recreação, a convivência familiar e a jornada de trabalho estão sendo violadas por força do art. 62.

NOTAS:
1 - Oswald Andrade - nasceu, no dia 11 de janeiro de 1890, em São Paulo. Morreu em 22 de outubro de 1954, foi um escritor, ensaísta e dramaturgo brasileiro.
2 - Otavio Amaral Calvet é Juiz do Trabalho–TRT/RJ, Mestre em Direito das Relações Sociais – PUC/SP, Professor do Curso IELF Diex-NTC/SP e Professor Convidado da FGV/RJ– Disponível: http://www.calvo.pro.br/artigos/otavio_calvet/otavio_calvet_direito_ao_lazer.pdf.
3 - Carrion, Valenti, 1931-2000 – Comentários à consolidação das leis do trabalho/Valentin Carrion. – 33. Ed. Atual. Por Eduardo Carrion. – São Paulo : Saraiva, 20008.
4 - TST, RR 313.641/96.6, Armando Brito, AC. 5ª T.10.531/97.
5 - Martins, Sérgio Pinto. – Direito do Trabalho – 25º Edição – Editora Atlas 2009.
6 - CENDRON, Guilherme. Inconstitucionalidade do artigo 62 da CLT. Disponível em http://www.iuspedia.com.br 08 fev. 2008.


REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:
1. CALVET, Otavio Amaral. - Direito ao Lazer nas Relações de Trabalho. São Paulo: LTr, 2006 125p.
2. CARRION, Valenti, - 1931-2000 – Comentários à Consolidação das Leis do Trabalho/Valentin Carrion. – 33. Ed. Atual. Por Eduardo Carrion. – São Paulo: Saraiva, 2008.
3. MACHADO, Costa. - CLT Interpretada. – Ed. Manole Ltda, Edição Brasileira 2007.
4. MARTINS, Sérgio Pinto. – Direito do Trabalho – 25º Edição – Editora Atlas 2009
5. CENDRON, Guilherme. Inconstitucionalidade do artigo 62 da CLT. Disponível em http://www.iuspedia.com.br 08 fev. 2008.
6. CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1998.


Por Lucileyma