quinta-feira, 4 de fevereiro de 2016

ESPIA


ESPIA

Nos perdemos de nós mesmos
Caminhamos pelos caminhos do ego
Pelas escolhas embasadas em falácias

Já tive raiva por ser hipersensível
Por escutar o que ninguém ouve
Enxergar o que ninguém vê

Já tive desprezo pela poesia
Desespero por não receber amor
Vergonha por atitudes e escolhas

Tive garra para assumir quem eu sou
Orgulho por ser como as águas que me banham
Compaixão para curvar diante da minha insignificância

Acredito que a insanidade é uma dadiva incompreendida
Por aqueles que insistem em manter-se fundeados
Que não se arriscam em águas tempestivas

Talvez esteja ancorada ao tempo
E seja incompreendida por ser quem eu sou
Saboreando aventuras e vivenciando a solitude

Talvez seja apenas mais um clamor
A dor da alma que ama por demais
Que almeja paz sem torna-se um nó...

Aos lúcidos que vivem ancorados em uma maré seca
O meu sinto muito
Tenho sede vida e liberdade de alma

A minha felicidade vai de encontro ao:
Eu te amo!
Por isso quero que você seja feliz!

Por: Lucileyma Carazza

Espia: cabo destinado a amarrar um barco ao cais (atracar).
Fundeados: ancorado
Chão ao povo.
Quando floriu na lavoura a flor.
Quanta historia como a água do rio passou.
Floresceu o amanhã sob o olhar de um povo.
E a esperança como criança alegre,
De quantas historias nasceu nesse solo.
E no costume do povo
É o café, sem dúvida um doce gozo.

Que aglomera e ajuntas,
Que faz sobreviver as lendas e os contos;
E como dizia em Minas um avô;
“Dessas montanhas mineiras,
Dessa terra, essa esfera inteira, há de se lembrar.
Desse grão de pequena beleza”.

Café bom é forte, é amargo... Esse sim traz prosa,
Esse sim, é da mistura da poeira ao suor do labor.
Eita sô, costume de roça; Meu fruto de chão ao povo.


Por: Sergio Dias

A MORTE



A MORTE

E o encontro de quem somos de verdade
Por trás de:
Medos
Alegrias
Prazeres
Amores e paixões

Muitos são passageiros
Outros só estão de passagem
Regastes
Nós somos passageiros
Nessa viagem
Não de férias
E sim a trabalho

Um labirindo sem fim
Nos encontrar dentro de nós mesmos.

Solidão
Conforto
Desprezo
Mistérios... vazios...
Viver.

Viver intensamente
Sonhar um mundo simples
Vida
Que
Segue
Vida
Que
Vai

Num barquinho sobre a marola
Rema, rema e rema...
Com dois remos o sentido será
Para onde você quiser
Mais se tiver apenas um remo
Do lugar não saíra

Há necessidade de ter os dois remos,
O Conhecimento
E a prática.


Por: Ronnam Henrique
QUANDO A DOR SE TRANSFORMA EM POEMA
– POR RUBEM ALVES

Um deus fraco pode chorar comigo. E por isso nos amamos…

Hoje, sexta-feira, 20 de setembro de 1996, minha vontade é não escrever. Escrevo como sonâmbulo, na esperança, talvez, de que as palavras consigam diminuir a minha dor. Mas eu não quero que a dor diminua. Não quero ser consolado. Não quero ficar alegre de novo. Quando a dor diminui é porque o esquecimento já fez o seu trabalho. Mas eu não quero esquecer. O amor não suporta o esquecimento.

Vazia das palavras que a dor roubou, a alma se volta para os poetas. Não, na verdade não é bem assim. A alma não se volta para nada. Ela está abraçada com a sua dor. São os poetas que vêm em nosso auxílio, mesmo sem serem chamados. Pois essa é a vocação da poesia: pôr palavras nos lugares onde a dor é demais. Não para que ela termine, mas para que ela se transforme em coisa eterna: uma estrela no firmamento, brilhando sem cessar na noite escura. É isso que o amor deseja: eternizar a dor, transformando-a em coisa bela. Quando isso acontece, a dor se transforma em poema, objeto de comunhão, sacramento.

A dor é tanta que a procura das palavras – brinquedo puro quando se está alegre – se transforma num peso enorme, bola de ferro que se arrasta, pedra que se rola até o alto da montanha, sabendo ser inútil o esforço, pois ela rolará de novo morro abaixo. Sinto uma preguiça enorme, um desânimo sonolento de escrever. Arrasto-me. Obrigo-me a me arrastar. Empurro as palavras como quem empurra blocos de granito. Gostaria mesmo é de ficar quieto, não dizer nada, não escrever nada.

Será que algum jornal aceitaria publicar uma crônica que fosse uma página em branco, silêncio puro? Escrevo para me calar, para produzir silêncio. Como numa catedral gótica: as paredes, as colunas e os vitrais servem só para criar um espaço vazio onde se pode orar. Álvaro de Campos entende que a poesia é isso, uma construção em palavras em cujas gretas se ouve uma outra voz, uma melodia que faz chorar.

Sei que minhas palavras são inúteis. A morte faz com que tudo seja inútil. Olho em volta as coisa que amo, os objetos que me davam alegria, o jardim, a fonte, os CDs, os quadros, o vinho (ah, o riso dele era uma cachoeira, quando abria uma garrafa de vinho!): está tudo cinzento, sem brilho, sem cor, sem gosto. Não abro o vinho: sei que ele virou vinagre. Rego as plantas por obrigação. O dever me empurra: elas precisam de mim. Agrado o meu cachorro por obrigação também. Ele não é culpado.

Atendo o telefone e sou delicado com as pessoas que falam comigo: elas ainda não receberam a notícia nem receberão. Tentei dar a notícia a algumas pessoas. Disse-lhes que fazia seis horas que chorava sem parar. Elas riram. Não por maldade, mas por achar que eu estava brincando.

Meu melhor amigo morreu. Portanto, todas as palavras são inúteis. Sobre a cachoeira do seu riso está escrito “nunca mais”. Nenhuma delas será capaz de encher o vazio. Recordo as palavras da Cecília – palavras que, acredito, foram escritas muito depois da dor, depois que a dor já se havia transformado em beleza:

(…) Mas tudo é inútil, porque os teus ouvidos estão como conchas vazias, e a tua narina imóvel não recebe mais notícia do mundo que circula no vento. (…) Mas tudo é inútil, porque estás encostada à terra fresca, e os teus olhos não buscam mais lugares nessa paisagem luminosa, e as tuas mãos não se arredondam já para a colheita nem para a carícia.

Meu melhor amigo. Amigo é uma pessoa que, só de lembrar-se de você, dá uma risada de felicidade. Assim são os amigos – não há os mais nem os menos amigos. Ou é ou não é. Todos são iguais. Mas sei que meus outros amigos entenderão, quando digo que o Elias Abrahão era o meu melhor amigo. Se a gente tem dez filhos e um morre, aquele era o que a gente mais amava. Se um pastor tem cem ovelhas e uma se perde, aquela era a de que ele mais gostava. O Elias morreu. Ele era o meu melhor amigo. Meu corpo e minha alma, hoje, são um vaso cheio com a dor do seu vazio.

O poeta W.H. Auden já disse, exato, o que estou sentindo.
Que parem os relógios, cale o telefone,
jogue-se ao cão um osso e que não ladre mais,
que emudeça o piano e o tambor sancione
a  vinda do caixão e seu cortejo atrás.
Que os aviões, gemendo acima em alvoroço,
escrevam contra o céu o anúncio: ele morreu.
Que as pombas guardem luto – um lenço no pescoço –
e os guardas usem finas luvas cor de breu.

Era meu norte, sul, meu leste, oeste, enquanto viveu;
meus dias úteis, meu fim de semana,
meu meio-dia, meia-noite, fala e canto,
quem julgue o amor eterno, como eu fiz, se engana.
É hora de apagar as estrelas – são molestas,
guardar a lua, desmontar o sol brilhante,
de despejar o mar, jogar fora as florestas,
pois nada mais há de certo doravante.

Em momentos assim tenho dó imenso das pessoas que têm um deus forte. Pois – coitadas – estão perdidas diante da morte.

Ter um deus forte é saber que, se tivesse querido, ele teria evitado a morte. Se não evitou é porque não quis. Ora, se foi ele quem matou, ele não pode estar sofrendo. Está é feliz, por ter feito o que queria. Assim, ele é culpado da minha dor. Eu e ele estamos muito distantes, infinitamente distantes. Como poderia amá-lo – um deus assim tão cruel? Mas, se ele é um deus fraco, isso quer dizer que não foi ele quem ordenou – ele não pôde evitar. Um deus fraco pode chorar comigo. Ele até se desculpa: “não foi possível evitá-lo. Eu bem que tentei. Veja só estas feridas no meu corpo: elas provam que me esforcei…”. Ele chora comigo. E por isso nos amamos.

Tenho no meu quintal uma árvore, sândalo, de perfume delicioso. Foi o Elias quem me deu a mudinha, vinda do Líbano. Cuidarei dela com redobrado carinho. De vez em quando vou regá-la com vinho. Não me surpreenderei se ela ficar bêbada e começar a dar risadas. Saberei que o Elias está por perto.

“Amigo é uma pessoa que, só de lembrar-se de você, dá uma risada de felicidade”. Doracino Naves


Fonte: As melhores Crônicas de Rubem Alves, 5ª reimpressão, Comacchia Livraria e Editora Ltda., São Paulo, páginas 39/41.