“Somos queijo gorgonzola”
Estamos envelhecendo,
estamos envelhecendo, estamos envelhecendo, só ouço isto. No táxi, no trânsito,
no banco, só me chamam de senhora. E as amigas falam “estamos envelhecendo”,
como quem diz “estamos apodrecendo”. Não estou achando envelhecer esse horror
todo. Até agora. Mas a pressão é grande. Então, outro dia, divertidamente, fiz
uma analogia. O queijo Gorgonzola é um queijo que a maioria das pessoas que eu
conheço gosta. Gosta na salada, no pão, com vinho tinto, vinho branco, é um
queijo delicioso, de sabor e aroma peculiares, uma invenção italiana, tem
status de iguaria com seu sabor sofisticadíssimo, incomparável, vende aos
quilos nos supermercados do Leblon, é caro e é podre. É um queijo contaminado
por fungos, só fica bom depois que mofa. É um queijo podre de chique. Para
ficar gostoso tem que estar no ponto certo da deterioração da matéria. O que me
possibilita afirmar que não é pelo fato de estar envelhecendo ou apodrecendo ou
mofando que devo ser desvalorizada. Saibam: vou envelhecer até o ponto certo,
como o Gorgonzola. Se Deus quiser, morrerei no ponto G da deterioração da
matéria. Estou me tornando uma iguaria. Com vinho tinto sou deliciosa. Aos 50
sou uma mulher para paladares sofisticados. Não sou mais um queijo Minas
Frescal, não sou mais uma Ricota, não sou um queijo amarelo qualquer para um
lanche sem compromisso. Não sou para qualquer um, nem para qualquer um dou
bola, agora tenho status, sou um queijo Gorgonzola.
Maitê Proença