sexta-feira, 16 de março de 2012

Toda dor é uma forma de amar




Uma coisa eu sei de viver: A dor é uma forma de amar.

Eu estava viajando e tive que voltar às pressas. Quando entrei no portão, minha irmã do meio veio chorando, aos prantos me abraçar… E eu quis abraçar e chorar também.

Pedi que não ficasse assim perto de mim. Disse que não precisava estar tão triste, como que pra consolá-la… Mas eu sentia uma tristeza infinita, queria desmoronar.

Ela olhou assustada pra mim. Concordando com o que eu dizia, mesmo sem sentir o que eu falava. Mas racionalmente fazia sentido, meu pai já estava doente há tanto tempo… Eu queria me ajoelhar no chão, desintegrar.

Decidi que ia ser forte, que seguiria em frente. Engoli a respiração com todo o sentimento que brotava… Eu queria o ombro dela. Queria chorar junto a tristeza que era nossa, era nossa igual.

Eu dei um passo pra traz… Eu queria honrar a vida que meu pai teve, o tanto de amigos que conquistou, tudo o que me ensinou, os passeios de bicicleta, as músicas altas de domingo, mas não pude. Eu estava apavorada…

Esse foi o pior dia da minha vida. O dia em que meu pai morreu.

Meus olhos marearam tão somente. Eu escolhi não me entregar. Me lembro bem do segundo em que fiz essa escolha. Dois passos dentro do portão da minha casa. E fiquei plantada lá. Uma parte da minha alma se fincou naquele momentinho e não mais saiu, por mais anos que se passassem. E como essa parte de mim fez tanta falta… Quantas explicações tive que inventar pra minha angústia…

Não conseguia estar melhor, não via o amor que tinha pra mim na vida, as pessoas que estavam comigo agora. Era como se eu estivesse olhando pra traz, praquele dia. Eu só queria achar qualquer coisa que me tapasse o vazio que ficou. O vazio de não haver conseguido viver esse amor, em forma de dor, pelo meu pai. (Ao interromper a dor que fluía, interrompi o amor. Amor que naquele momento tinha uma forma triste. Um ar de impotência. Um gosto assustado. Um jeito meio amargo.)

E essa tristeza guardada me corroeu. Por tanto tempo eu procurei uma chave pra mudar as coisas que não podem ser mudadas. Em vão, eu tentei encontrar algo que consertasse a minha angustia, alguma coisa ou pessoa que pudesse culpar por tudo aquilo que eu sentia… Uma chave que me aproximasse do meu pai, que o trouxesse de volta. Como se eu pudesse…

O que eu não entendia era que não podia fazer mais nada, a única coisa que me restava para honrar a vida de quem eu amei tanto, eram as lágrimas. E elas eram boas. Puras. Preciosas. Valiam gargalhadas, passeios na chuva, caçadas a vaga-lumes, piques de esconder, longas conversas sobre o universo, comemorações de todas as conquistas… Apoio… Representavam tudo o que já vivemos e que não poderíamos mais viver juntos. Representavam o meu filho, que eu carregava na barriga naquele dia, e que meu pai não poderia conhecer, tudo o que eles não brincariam.

Custei a compreender o que é tão simples… Que eu precisava aceitar. Permitir que o amor que engoli, com medo da dor, se manifestasse. Precisava dar um lugar pra essa tristeza no meu coração. Tristeza, que agora, eu quero que siga comigo, pois faz parte da minha história, me dá profundidade. E quando eu a vir, nos olhos distantes de alguém que já passou por dias dos piores, vou reconhecer e encontrar a compaixão, dar lugar também para aquela humanidade.

É que a dor precisa fluir e ser sentida pra honrar pessoas e situações que, às vezes, não podem ser diferentes, quando não podemos fazer nada, quando a vida é maior do que nós. E, agora que aprendi que toda dor é um jeito triste de amar, de vez em vez me recolho ao silêncio e espero, quietinha, tanto amor se manifestar.

Taí o meu carnaval, sem confetes ou serpentinas.
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