"Tempos atrás escrevi um texto
chamado: “A Esperança, a Desesperança e a Menosesperança”. Retomo aqui o tema
da Menosesperança, trazendo de volta a mesma jovem do texto anterior, porém,
ela agora está vivendo outro momento em sua vida, pois ...tornou-se uma mulher
bela, íntegra e madura, ou seja, um vaso raro, pintado com as marcas do
sofrimento assumido e os louros da vitória sobre si mesma, propenso a não
encontrar tão fácil um par de vaso a sua altura."
A Menosesperança na relação a dois.
Alguns anos passaram, e a nossa jovem - que, naquela época, tinha o seu prazo de validade vencida para o casamento - casou-se afinal, apesar dos seus pesares e isso foi logo depois de eu ter escrito o meu texto sobre ela.
Seu marido deu-lhe filhos e, com o tempo, foi tornando-se, ele também, seu filho.
Mulheres que se tornam mães amadurecem inevitavelmente, mas alguns homens que se tornam pais estão sujeitos a com-trair a síndrome de Peter Pan, e passam a viver na “terra do nunca” amadurecer.
No caso do seu “marido” o casamento significou o encontro de uma excelente Wendy, bem eficiente com agulha e a linha, pronta para costurar todos os furos de suas meias verdades. Ela também tentou, em vão, costurar a sombra do Peter Pan de volta aos seus pés, mas ele sempre dava um jeito de se livrar dela e projetá-la de volta na costureira bem intencionada, pois, para um bom filho da mãe, a mãe sempre é a culpada por não dar tudo que a eterna infância pretende merecer sem dar.
Resultado, quando a mulher se torna mãe e o homem filho, o tesão sempre murcha, mas o casamento ainda era funcional em dar aos filhos um lar bem estruturado, onde o “pai prazer” tirava férias regulares e a mãe era a sempre responsável por tudo, inclusive por ganhar bem melhor que o marido, ocupando seu lugar insubstituível de mãe e fazendo às vezes de “pai limite”, 24 horas por dia, sem férias ou prazeres.
Para encurtar a história, surgiu deste grande buraco incosturavel “a outra”, bem mais jovem do que ela é claro e eles separaram.
A nossa mulher madura entrou numa merecida regressão, deprimiu, emagreceu, aconteceram-lhe toda sorte de sintomas bizarros e ela sentiu toda raiva mortal que achou justo merecer sentir, mesmo por que, em matéria de sentir, ela dura na queda.
Na sua psicoterapia, reconheceu racionalmente, usando a sua inteligência aguda e a sua auto-exigência ponteaguda, sua parte de responsabilidade em todo o ocorrido, mas sem ainda conseguir perdoar, nem seu marido, nem a outra, pela sua perda do seu lar, ou seja, pela perda de um pai-marido instituído de acordo com as normas da sua família tradicional.
Mas quanto a perda do marido-amante, até que lhe foi fácil, pois ele já não era lá grandes coisas, ao demonstrar se esforçar para bater o ponto no fim de suas férias constantes.
E foi então que, depois de ir ao inferno dos justos e voltar de lá mais viva e mais esperta, ela deu uma nova chance à sua a mulher-amante-interior, por tantos anos afastada por justa causa. Ela se viu livre e obrigou-se a voar e, apesar de suas asinhas estarem um pouco enferrujadas, ela ainda podia fazer a fila andar com surpreendente rapidez!
Porém, sua peneira era muito fina e entre os homens “livres” disponíveis, todos eles tinham tomado pau nos seus casamentos anteriores e não seria ela que os iria consertar, pois não estava desesperada a tal ponto.
Mas algo conteceu. A mulher não ‘ama’ um homem a primeira vista, a mulher ‘cisma’ com um homem em especial, e este tal que ela cismou não tinha nada a ver com ela, nem na sua aparência, nem em seu modo de ser. Ele era todo o contrário de seu sonho e também do seu bom senso ISO 9000. Ainda por cima, ele era bem mais jovem que ela: Imagine! Logo um solteiro com prazo de validade vencido para o casamento. Estava na cara que ele era um incorrigível sedutor. Mas ele era o próximo da sua fila, até então tediosa e foi com ele que as suas asas abriram plenas ao mergulharem em reviravoltas e vôos rasantes em seu mundo visceral perigoso e, até então, desativado.
Por um lado, toda vez em que olhava para ele, pensava: que mico! Por outro lado, ela não podia se impedir de sentir: que química! Ela se deparou com uma mulher dentro dela até então desconhecida, como se ela tivesse trocado seu Fusca por uma Ferrari.
Haja paciência para nossa amiga, pois o cara era um mestre dos jogos de sedução, onde ninguém pode dar bandeira senão perde o jogo. Vendo que era necessário fazer tais jogos para poder voar sem assustar o cara e sendo ela toda boa em tudo que decidia fazer, também entrou naquele jogo, jogando um contra-jogo à altura, mas sem o seu velho entusiasmo juvenil, pois ela tinha chegado uma idade em que a sinceridade nua e crua era tudo o que traria a ela o merecido conforto de poder ser ela mesma na companhia de alguém, desde que este fosse também sincero.
Na terapia ela se deu conta de que a transparência sempre é acompanhada pela entrega e que aquele jogo todo era só um controle eficaz para resguardar no narcisismo, quem ainda tem medo de amar. E ela tinha este medo. Quem não tem! A amor de quem realmente se entrega abre inevitavelmente a ferida antiga, ávida de participar do amor compartilhado para enfim aí encontrar sua cura!
Ela reconheceu que tinha menos medo do que ele. Então ousou dar mais um passo, um corajoso passo, onde se ultrapassa o outro ancorado na margem do medo. Ela foi além, e mergulhou na possibilidade de não ser acompanhada em sua transparência e disponibilidade para a entrega plena. Teria ela a paciência da infinita esperança e ficaria ela na outra margem além do medo, porém solitária?
Arriscou, mas foi até surpreendente, quando ela deixou de jogar e tirou a máscara que encobria seus verdadeiros sentimentos, ele também respondeu com transparência, mostrou-se incapaz de livrar-se do amor que sentia por ela. Mas, por outro lado, por sua atitude logo depois mais do que por suas palavras, mostrou-se incapaz de, na prática, entregar-se de fato e fugiu para a sua velha zona de conforto.
Foi então que ela reencontrou-se com a lembrança da “menosesperança” a mesma da sua juventude. Mas agora, na sua matura-idade, a menosesperança apontava para ainda mais uma vitória sobre si mesma, justo quando nutria mais uma expectativa de ser confortada por alguém, além de si mesma!
O que fazer agora? Ela não era muito boa em dar conforto a si mesma, e a sua criança interior sangrava no silencio dos impotentes.
Ela perguntou-se:
- O que é que a menosesperança pode me oferecer agora? Certamente deverá ser algo que a expectativa ou a esperança jamais poderiam me dar, como não me deram até agora.
Ela não precisou de nenhum sábio para vir até ela e aconselhar em sua margem solitária. Ela foi conversando com seus botões e chegou, por si só, a um lugar onde não ter saída é a própria saída:
- A Menosesperança, disseram todos seus “eus botões” em uníssono, é aquilo que só nos acontece quando menos se espera! Na verdade não é o que nos acontece e sim o estado de espírito anterior a qualquer acontecimento, a atitude de menos esperar. Um estado sem desejo e sem aversão, sem lenço e sem documento, um estar a toa na vida, o lugar de onde emerge o assobio, um vazio que sopra desinteressado a música descontraída do estar simplesmente presente à vida. Este é o lugar de esperar com encantamento o desdobrar do sempre novo acontecer.
"Sem lenço", sem precauções com relação ao passado que se pressupõe repetir-se, prisão circular que norteia a percepção ilusória do medo.
"Sem documento", sem o atestado de ser sempre o mesmo. O documento que é um retrato de um conceito carimbado, identidade de uma idade morta que se fixou ao presente e que deve carregar agora como desde sempre, algo vindo do passado e que impede de estar aqui por inteiro. Oferece o atestado de assegurar-se ser sempre o mesmo a alguém que assim evita a dúvida que toda ilusão evoca. Pois é aí que se paga um preço alto: Permanecer sem direito a mudar, voar e navegar. Imposto que justo incide quando se tenta extrapolar as fronteiras do conhecido em nós onde os guardiões da culpa e do medo nos dão certeza de se estar seguro e em casa. Estar "sem documentos" é poder ser sempre novo e ver o mundo com seus encantamentos, e para isso é preciso se estar livre.
Estar "a toa na vida" é um estado de a-tenção (sem tensão) no presente, um estado de gratuidade, de criança brincando esquecida de si e de seu passado, que em vez de sentir seu vazio carencial, abre-se para receber a gratuidade e a Graça que sempre estiveram aqui, no eterno e terno agora.
Sua criança ferida havia se revelado a ela em toda a sua transparente necessidade de ser reconhecida, aceita e amada por ela. Ela, ancorada na menosesperança quanto a algo a ser recebido lá de fora, aceitou sua própria condição inteiramente e se entregou finalmente ao amor pela sua criança e, como num fim de um conto de fadas, ela sentiu o impacto daquele ansiado encontro íntimo. Havia muita alegria entre a mãe e a filha, as duas começando a amarem-se sem medo, dentro dela.
Afinal, mãe é mãe, já o resto é tudo filho da mãe.
Sergio Condé – 16/02/2013
A Menosesperança na relação a dois.
Alguns anos passaram, e a nossa jovem - que, naquela época, tinha o seu prazo de validade vencida para o casamento - casou-se afinal, apesar dos seus pesares e isso foi logo depois de eu ter escrito o meu texto sobre ela.
Seu marido deu-lhe filhos e, com o tempo, foi tornando-se, ele também, seu filho.
Mulheres que se tornam mães amadurecem inevitavelmente, mas alguns homens que se tornam pais estão sujeitos a com-trair a síndrome de Peter Pan, e passam a viver na “terra do nunca” amadurecer.
No caso do seu “marido” o casamento significou o encontro de uma excelente Wendy, bem eficiente com agulha e a linha, pronta para costurar todos os furos de suas meias verdades. Ela também tentou, em vão, costurar a sombra do Peter Pan de volta aos seus pés, mas ele sempre dava um jeito de se livrar dela e projetá-la de volta na costureira bem intencionada, pois, para um bom filho da mãe, a mãe sempre é a culpada por não dar tudo que a eterna infância pretende merecer sem dar.
Resultado, quando a mulher se torna mãe e o homem filho, o tesão sempre murcha, mas o casamento ainda era funcional em dar aos filhos um lar bem estruturado, onde o “pai prazer” tirava férias regulares e a mãe era a sempre responsável por tudo, inclusive por ganhar bem melhor que o marido, ocupando seu lugar insubstituível de mãe e fazendo às vezes de “pai limite”, 24 horas por dia, sem férias ou prazeres.
Para encurtar a história, surgiu deste grande buraco incosturavel “a outra”, bem mais jovem do que ela é claro e eles separaram.
A nossa mulher madura entrou numa merecida regressão, deprimiu, emagreceu, aconteceram-lhe toda sorte de sintomas bizarros e ela sentiu toda raiva mortal que achou justo merecer sentir, mesmo por que, em matéria de sentir, ela dura na queda.
Na sua psicoterapia, reconheceu racionalmente, usando a sua inteligência aguda e a sua auto-exigência ponteaguda, sua parte de responsabilidade em todo o ocorrido, mas sem ainda conseguir perdoar, nem seu marido, nem a outra, pela sua perda do seu lar, ou seja, pela perda de um pai-marido instituído de acordo com as normas da sua família tradicional.
Mas quanto a perda do marido-amante, até que lhe foi fácil, pois ele já não era lá grandes coisas, ao demonstrar se esforçar para bater o ponto no fim de suas férias constantes.
E foi então que, depois de ir ao inferno dos justos e voltar de lá mais viva e mais esperta, ela deu uma nova chance à sua a mulher-amante-interior, por tantos anos afastada por justa causa. Ela se viu livre e obrigou-se a voar e, apesar de suas asinhas estarem um pouco enferrujadas, ela ainda podia fazer a fila andar com surpreendente rapidez!
Porém, sua peneira era muito fina e entre os homens “livres” disponíveis, todos eles tinham tomado pau nos seus casamentos anteriores e não seria ela que os iria consertar, pois não estava desesperada a tal ponto.
Mas algo conteceu. A mulher não ‘ama’ um homem a primeira vista, a mulher ‘cisma’ com um homem em especial, e este tal que ela cismou não tinha nada a ver com ela, nem na sua aparência, nem em seu modo de ser. Ele era todo o contrário de seu sonho e também do seu bom senso ISO 9000. Ainda por cima, ele era bem mais jovem que ela: Imagine! Logo um solteiro com prazo de validade vencido para o casamento. Estava na cara que ele era um incorrigível sedutor. Mas ele era o próximo da sua fila, até então tediosa e foi com ele que as suas asas abriram plenas ao mergulharem em reviravoltas e vôos rasantes em seu mundo visceral perigoso e, até então, desativado.
Por um lado, toda vez em que olhava para ele, pensava: que mico! Por outro lado, ela não podia se impedir de sentir: que química! Ela se deparou com uma mulher dentro dela até então desconhecida, como se ela tivesse trocado seu Fusca por uma Ferrari.
Haja paciência para nossa amiga, pois o cara era um mestre dos jogos de sedução, onde ninguém pode dar bandeira senão perde o jogo. Vendo que era necessário fazer tais jogos para poder voar sem assustar o cara e sendo ela toda boa em tudo que decidia fazer, também entrou naquele jogo, jogando um contra-jogo à altura, mas sem o seu velho entusiasmo juvenil, pois ela tinha chegado uma idade em que a sinceridade nua e crua era tudo o que traria a ela o merecido conforto de poder ser ela mesma na companhia de alguém, desde que este fosse também sincero.
Na terapia ela se deu conta de que a transparência sempre é acompanhada pela entrega e que aquele jogo todo era só um controle eficaz para resguardar no narcisismo, quem ainda tem medo de amar. E ela tinha este medo. Quem não tem! A amor de quem realmente se entrega abre inevitavelmente a ferida antiga, ávida de participar do amor compartilhado para enfim aí encontrar sua cura!
Ela reconheceu que tinha menos medo do que ele. Então ousou dar mais um passo, um corajoso passo, onde se ultrapassa o outro ancorado na margem do medo. Ela foi além, e mergulhou na possibilidade de não ser acompanhada em sua transparência e disponibilidade para a entrega plena. Teria ela a paciência da infinita esperança e ficaria ela na outra margem além do medo, porém solitária?
Arriscou, mas foi até surpreendente, quando ela deixou de jogar e tirou a máscara que encobria seus verdadeiros sentimentos, ele também respondeu com transparência, mostrou-se incapaz de livrar-se do amor que sentia por ela. Mas, por outro lado, por sua atitude logo depois mais do que por suas palavras, mostrou-se incapaz de, na prática, entregar-se de fato e fugiu para a sua velha zona de conforto.
Foi então que ela reencontrou-se com a lembrança da “menosesperança” a mesma da sua juventude. Mas agora, na sua matura-idade, a menosesperança apontava para ainda mais uma vitória sobre si mesma, justo quando nutria mais uma expectativa de ser confortada por alguém, além de si mesma!
O que fazer agora? Ela não era muito boa em dar conforto a si mesma, e a sua criança interior sangrava no silencio dos impotentes.
Ela perguntou-se:
- O que é que a menosesperança pode me oferecer agora? Certamente deverá ser algo que a expectativa ou a esperança jamais poderiam me dar, como não me deram até agora.
Ela não precisou de nenhum sábio para vir até ela e aconselhar em sua margem solitária. Ela foi conversando com seus botões e chegou, por si só, a um lugar onde não ter saída é a própria saída:
- A Menosesperança, disseram todos seus “eus botões” em uníssono, é aquilo que só nos acontece quando menos se espera! Na verdade não é o que nos acontece e sim o estado de espírito anterior a qualquer acontecimento, a atitude de menos esperar. Um estado sem desejo e sem aversão, sem lenço e sem documento, um estar a toa na vida, o lugar de onde emerge o assobio, um vazio que sopra desinteressado a música descontraída do estar simplesmente presente à vida. Este é o lugar de esperar com encantamento o desdobrar do sempre novo acontecer.
"Sem lenço", sem precauções com relação ao passado que se pressupõe repetir-se, prisão circular que norteia a percepção ilusória do medo.
"Sem documento", sem o atestado de ser sempre o mesmo. O documento que é um retrato de um conceito carimbado, identidade de uma idade morta que se fixou ao presente e que deve carregar agora como desde sempre, algo vindo do passado e que impede de estar aqui por inteiro. Oferece o atestado de assegurar-se ser sempre o mesmo a alguém que assim evita a dúvida que toda ilusão evoca. Pois é aí que se paga um preço alto: Permanecer sem direito a mudar, voar e navegar. Imposto que justo incide quando se tenta extrapolar as fronteiras do conhecido em nós onde os guardiões da culpa e do medo nos dão certeza de se estar seguro e em casa. Estar "sem documentos" é poder ser sempre novo e ver o mundo com seus encantamentos, e para isso é preciso se estar livre.
Estar "a toa na vida" é um estado de a-tenção (sem tensão) no presente, um estado de gratuidade, de criança brincando esquecida de si e de seu passado, que em vez de sentir seu vazio carencial, abre-se para receber a gratuidade e a Graça que sempre estiveram aqui, no eterno e terno agora.
Sua criança ferida havia se revelado a ela em toda a sua transparente necessidade de ser reconhecida, aceita e amada por ela. Ela, ancorada na menosesperança quanto a algo a ser recebido lá de fora, aceitou sua própria condição inteiramente e se entregou finalmente ao amor pela sua criança e, como num fim de um conto de fadas, ela sentiu o impacto daquele ansiado encontro íntimo. Havia muita alegria entre a mãe e a filha, as duas começando a amarem-se sem medo, dentro dela.
Afinal, mãe é mãe, já o resto é tudo filho da mãe.
Sergio Condé – 16/02/2013