A
FUNÇÃO DO SER HUMANO
Por
Susana Stroke
(Dezembro 2009)
(Dezembro 2009)
O mais comum é nascer, viver e morrer. Entre o primeiro e o último existem variantes, desde viver a vida na total ignorância e ausência de questionamentos, até uma busca constante de compreensão profunda da função de cada ser humano neste planeta.
De tudo o que já foi transmitido desde as épocas primitivas, quando o planeta era apenas habitado, até os dias de hoje, vários mistérios foram sendo desvendados, uns comprovados cientificamente e outros aceitos (por alguns) como explicações provenientes de experiências, revelações, visões.
Até a atualidade não se chegou a um denominador comum que satisfaça a todos, e provavelmente não se chegará nunca. Talvez a manutenção de determinados assuntos, como vivências que o ser humano não tem capacidade para alcançar, seja justamente o que permite a constante evolução do espírito.
Eu não sou uma pessoa erudita, nem mesmo uma pesquisadora, ou alguém que sente uma necessidade premente em desvendar mistérios ou desvelar segredos.
Na verdade a frase tão conhecida na tradição Sufi - “o segredo se protege a si mesmo” - sempre me pareceu uma tese inquestionável, e que somente se comprova quando não há mais necessidade para comprová-la.
Ou seja, no momento em que o segredo se desvela, é certamente porque a pessoa já estava preparada para recebê-lo e mantê-lo como parte de sua experiência de vida.
Portanto, sou uma pessoa comum e corrente, pertenço à maioria que habita o planeta transitoriamente, sem nenhuma pretensão de saber mais do que seja a minha quota de capacidade.
Justamente por pertencer à grande massa desconhecida, quero apenas abrir este tema tão amplo de uma forma simples, criando elos de comunicação na busca comum, nas interrogações que temos, nas experiências vividas e nos anseios que nos podem unir.
Temos somente duas certezas na vida: que caminhamos inexoravelmente para a morte e que não sabemos quando - nem como - a encontraremos.
A partir do nascimento a contagem regressiva começa.
Suponho que justamente por essa certeza de não saber, pelo fato de ter que conviver com essa certeza angustiante, a maioria decide enterrá-la, mantendo-a o mais distante possível da consciência.
Convivo constantemente com outro ensinamento Sufi: “estar no mundo, sem ser do mundo”. Essas poucas palavras englobam tudo. Saber estar completamente presente e entregue e, ao mesmo tempo, pronto para partir sem levar nada consigo.
Desde muito cedo criamos vínculos afetivos. Em algumas situações eles começam a se tornar apegos que produzem carência em vez de abundância. Essas carências muitas vezes buscam compensações materiais como, por exemplo, imaginar que ter coisas vai preencher vazios afetivos e existenciais. O resultado acaba sendo substituir o “ser” pelo “ter”.
Qualquer tipo de substituto do “ser” é um saco sem fundo que produz alguns momentos de satisfação, mas que muito rapidamente nos leva a continuar tentando preencher o vazio em lugares equivocados (com coisas, pessoas, ilusões, fantasias).
Uma vez vi um pôster que me tocou muito e o tenho na minha casa em um lugar constantemente visível. Diz assim: “Algum dia, inevitavelmente, você vai se encontrar contigo mesmo. Somente de ti depende que seja a mais amarga de tuas horas, ou o teu momento melhor”.
Dei mil voltas por essa frase ao longo dos anos e cheguei à conclusão de que a vida é um palco onde cada ser humano é o protagonista da obra que se desenvolve, desde o nascimento até a morte. Fazer desse espetáculo uma realização é poder chegar a viver cada cena aproveitando da melhor forma os encontros com outros protagonistas de outras obras, atravessando a ignorância, a mediocridade, a prepotência, errando, caindo, aprendendo com os erros, se levantando uma e outra vez.
Sendo capaz de olhar no espelho que sempre está diante de si - seja refletindo o próprio rosto ou os encontros e desencontros - e, finalmente, com muita perseverança, obter a dádiva de encontrar-se com a própria alma.
Dizia Gurdjieff - um grande mestre espiritual do século passado - “NÃO NASCEMOS COM ALMA, TEMOS QUE CONQUISTÁ-LA”.
Os encontros entre as pessoas são sempre oportunidades para avançar, ou também situações nas quais regredimos, ou ainda permanecemos estagnados.
Os encontros se dão quando a possibilidade de expressão, seja qual seja, ocorre. Expressão esta que leva consigo a intenção de mostrar o que cada um sente, pensa e quer (ou não quer), alinhada com a ação correspondente.
Isso significa tão somente retirar máscaras que comumente estão presentes como defesas. É certo que o encontro acontece quando a disponibilidade é mútua. No entanto, também é certo que o investimento individual não só é válido, como permite aprendizados por meio da aceitação de que determinadas situações não podem ser mudadas a partir do querer individual.
Portanto, retornando ao tema central - a função do ser humano. De forma bastante sintética, podemos dizer que o mais central seja poder ser verdadeiro consigo mesmo e, na medida do possível, com os demais, pois - como todos sabemos desde Sócrates - “a verdade vos libertará”.
“Na medida do possível” significa saber escolher (ou ser escolhido por) pessoas com as quais se quer manter relações íntimas saudáveis e cultivadas ao longo do tempo.
Nessas relações podem ocorrer, e frequentemente ocorrem, encontros verdadeiros que comprovam a presença inegável de “algo mais” que, por sua vez, permite ao ser humano reconhecer seu aspecto divino, confirmando uma das mensagens na Bíblia: “quando duas ou mais pessoas se encontram EM MEU NOME, EU estarei entre elas”.
É também possível este mesmo reconhecimento desse “algo mais” em outras circunstâncias, tais como resultados de profunda introspecção que desemboca em revelação. No entanto, a comprovação de que a experiência solitária está integrada e em ascensão ocorre quando a pessoa vivencia relações interpessoais que colocam a prova as experiências reveladoras.
FINALIZANDO ESTAS REFLEXÕES, POSSO DIZER QUE A FUNÇÃO DO SER HUMANO É REALIZADA A PARTIR DA CONSCIÊNCIA ADQUIRIDA E DESENVOLVIDA DE QUE ELE NÃO É UMA MÁQUINA QUE REPETE ININTERRUPTAMENTE AS INSTRUÇÕES QUE LHE FORAM IMPOSTAS E IMPREGNADAS PELAS REFERÊNCIAS E INFLUÊNCIAS DE SEU ENTORNO.
NOVAMENTE CITANDO GURDJIEFF: “UMA MÁQUINA QUE SABE QUE É MÁQUINA JÁ NÃO É MAIS UMA MÁQUINA”.