Desembolar
Seu gosto ainda está na minha boca, embolando o meu coração. Seu cheiro ainda está no meu ar, entupindo minha fluidez. Seu olhar é o meu sorriso. Lembro do calor da sua mão tocando e acariciando a minha, sem querer, sem pensar, por instinto, por ser muito natural. Sinto o pensamento se perdendo, querendo se perder mais. Não me lembro mais da voz, não me lembro mais da voz, mas como eu gostaria de te ligar. Como eu queria parar de viver o agora pra estar aí, onde nem sei que está.
Vontade de estar ao seu lado. Desejo de rir junto, deitado. O peito dilacerado pelo que não vou viver. E eu nem queria mesmo te conhecer. E o destino se riu de mim, que achava que sabia – mas saber não é sentir. E o não sentir que agora me estrangula… Agora, fod-eu, que eu já me perdi. Que eu nem sei quem sou, nem percebo onde estou, que eu sou capaz de deixar de mim, por você.
Eu sou mesmo, capaz de deixar de ser por você, eu sei. Mas eu não vou. Porque eu preciso de mim, até pra estar com você. Pra estarmos juntos, ou não, eu preciso estar aqui, e você, aí. Eu preciso estar no meu lugar, pra estar com você no seu lugar, pra estar com qualquer alguém.
Às vezes é preciso abrir mão do amor pra ser feliz… E quando me ouço pensando isso, me assusto comigo. Como assim? Abrir mão do amor? Como posso ser feliz sem amor? Sem amar? Mas às vezes é preciso abrir mão do amor, pra SE amar mais.
É que ninguém deveria por de lado a própria felicidade por amor a ninguém. Ninguém precisa deixar a própria vida por ninguém. Nós não vivemos de amor, minha tataravó já dizia. Ninguém é realmente impotente diante de ninguém. E se nos colocamos assim, pois somos nós que nos colocamos assim, depois mandamos a conta. Cobramos o preço do que deixamos de nós, do outro, que muitas vezes nem pediu, que nem queria tanto. A sensação de impotência gera raiva.
É claro que podemos fazer alguma coisa. Se não tem nada nem ninguém nos amarrando, podemos sair, seguir nosso caminho. Se não tem ninguém nos amordaçando, podemos falar o que pensamos sim. Podemos e precisamos dizer o que queremos, fazer contato com quem somos. Só podemos realmente amar alguém, quando estamos conosco, primeiro. Só somos capazes de dar amor, quando não nos prejudicamos.
Ceder às manipulações e aos jogos de “amor”- se você não se comportar dessa maneira, não vou gostar de você, por exemplo -, mesmo que implícitos, são escolhas nossas. E cada escolha tem um preço. Digo e repito e digo e repito. E até não escolher tem seu preço.
Eu sou uma romântica incurável que vem aprendendo a olhar pra realidade. Pois o conto de fadas, infelizmente, pesarosamente, é uma ilusão. O que nos machuca, o que nos faz perder a dignidade, não pode realmente nos fazer feliz pra sempre. Pra realmente amar, é preciso se querer primeiro. Cuidar de si primeiro. Amar a si mesmo, e, só então, ao outro, ao próximo.
Às vezes preciso abrir mão do amor pra ser feliz, pra me amar mais.