ORAÇÃO GESTALT
“Eu sou eu, você é você. Eu faço as minhas coisas e você
faz as suas coisas. Eu sou eu, você é você. Não estou neste mundo para viver de
acordo com as suas expectativas. E nem você o está para viver de acordo com as
minhas. Eu sou eu, você é você. Se por acaso nos encontrarmos, é lindo. Se não,
não há o que fazer.”
Fritz
Perls, 1969
SOBRE A ORAÇÃO GESTALT
Por: Alina Purvinis (CRP: 06/1828-1)
A assim chamada “Oração da Gestalt”, um pequeno
poema escrito por Frederick Perls, e considerada uma síntese da sua visão sobre
as relações interpessoais, tem sido, na minha opinião, muitas vezes mal
interpretada.
Tenho ouvido críticas a ela, afirmando que Fritz
prega um individualismo exacerbado, enfatizando o “eu” e o “tu”, e deixando de
dar importância ao “nós”, a interdependência que existe entre todos os seres
humanos.
EU NÃO ENTENDO A ORAÇÃO DESTA MANEIRA.
Ao contrário, considero que a posição afirmada por
Perls é a de um respeito total pela individualidade, pela aceitação das
diferenças individuais e pelo reconhecimento e aceitação plenos dos limites
inerentes a qualquer relacionamento.
Explicitando melhor cada parte da oração:
“Eu sou eu”: o primeiro pré-requisito para qualquer
relacionamento maduro e saudável é que eu saiba quem sou, que eu reconheça e
aceite todas as partes que compõem minha individualidade (tanto minhas
qualidades e recursos, quanto meus defeitos e limitações), e que eu assuma
totalmente a responsabilidade por tudo que sinto, penso e faço.
“Você é você”: o segundo pré-requisito (que depende do
primeiro) é ser capaz de ver o outro, reconhecer o outro como outro, diferente
de mim. Temos a tendência de projetar nossos sentimentos, expectativas,
conflitos, significados, na outra pessoa, principalmente quando não temos uma
consciência clara desses aspectos. Interpretamos muitos comportamentos das
outras pessoas como algo dirigido a nós, quando, na maior parte das vezes,
esses comportamentos têm a ver com o referencial delas, não tem nada a ver
conosco.
“Eu faço minhas coisas, você faz as suas”: costumo comparar as duas pessoas
envolvidas num relacionamento com dois círculos. Se eles estão completamente
separados, não existe relação. Se eles estão superpostos, isso configura uma
confluência (fusão, simbiose), em que a individualidade dos dois está anulada.
Se eles têm um espaço de intersecção, existe uma interdependência – cada um tem
o seu espaço individual, em que desenvolve seus próprios interesses e
preferências, e existe o espaço comum aos dois, em que fazem coisas juntos e
compartilham experiências.
“Não estou neste mundo para viver de acordo com
suas expectativas, e você não está neste mundo para viver de acordo com as
minhas”: quando iniciamos
um relacionamento, podemos ficar extremamente preocupados em relação ao que o
outro espera de nós; algumas pessoas (especialmente as mulheres) parecem ter
desenvolvido “antenas” para captar as necessidades do outro e tentam satisfazê-las,
na expectativa de assim obter seu afeto e aprovação. No entanto, agir dessa
maneira é uma armadilha, por várias razões: em primeiro lugar, aquela pessoa
única e interessante que despertou atração simplesmente desaparece,
transforma-se num “zero á esquerda”, extremamente desinteressante; em segundo
lugar, a pessoa que se anula e dá demais cria expectativas de receber muito também
e se frustra – temos uma ideia errônea de que seremos tratados da mesma maneira
como tratamos o outro, e na verdade somos tratados pelo outro da mesma maneira
que nós nos tratamos; em terceiro lugar, a pessoa nunca vai se sentir realmente
amada ou valorizada, pois não está sendo ela mesma no relacionamento, está
mostrando uma falsa imagem; e, finalmente, ninguém consegue sufocar suas
verdadeiras necessidades e sentimentos para sempre, então esse relacionamento é
uma “ bomba relógio”, aquilo que a pessoa faz para manter a harmonia, para
evitar brigas, é exatamente o que vai levar á ruptura.
“E se por acaso nos encontramos, é lindo. Se não,
nada há a fazer”: este
final, que ás vezes é considerado pessimista, simplesmente afirma uma verdade.
Ninguém pode se obrigar a querer aquilo que não quer, a ser aquilo que não é, a
passar por cima dos seus limites, a ceder onde não dá para ceder. E, por mais
que duas pessoas tenham afinidades e gostem uma da outra, elas jamais
conseguirão ter as mesmas necessidades, na mesma hora, com a mesma
intensidade...O que podemos fazer é expressar diretamente para a outra pessoa o
que pensamos, sentimos e desejamos, e permitir que o outro também se expresse
livremente. Colocando assim as cartas sobre a mesa, podemos então tentar chegar
a um consenso, a um acordo, cada um cedendo um pouco, sem se anular. Às vezes,
isso é possível; às vezes, o melhor consenso a que conseguimos chegar é
“Concordamos que discordamos...”
Se houver um afeto genuíno e um verdadeiro respeito
e aceitação pela individualidade do outro, poderemos continuar nos
relacionando. Se, no entanto, constatarmos que o abismo entre as minhas expectativas
e as do outro é muito grande, talvez seja melhor reconhecer isso, nos
despedirmos com gratidão e cada um trilhar o seu caminho, com outros
companheiros de viagem.