UMA HISTÓRIA DE AMOR E GUERRA
Lucileyma Rocha Louzada Carazza
Tudo começou com as anotações de fatos,
abandonando qualquer padrão e técnica de escrita ou pedagógica. Estava
começando a compor os registros em rabiscos mal feitos em minha pasta pessoal,
posteriormente, um grupo de estudo criado no aplicativo de WhatsApp também
serviu de apoio, pois, foi aqui que registramos fotos, vídeos e experiências.
Sou professora na zona rural, na cidade
de Alfredo Chaves/ES, local conhecido como a “Região da Costa de Imigração”. Trabalho
em Aparecida, comunidade conhecida pela fé. Aqui há cachoeiras, pousadas,
condomínios a beira de lagos ao pé das montanhas, com economia predominante no
cultivo de café, banana e hortaliças. Lugar pacato, onde problemas climáticos críticos
são desafios constantes dos moradores o que os tornam pessoas resilientes. Presenciei
enchentes, tornados, desmoronamentos de terras e vi pessoas com um sorriso no
rosto e uma lágrima na face recomeçar.
Além da agricultura e da geografia local
(que tem grande potencial turístico), nesta região tão pitoresca do Espírito
Santo, destaco a importância dos imigrantes italianos e alemães. Em Aparecida é
possível se deparar com pessoas utilizando o dialeto pomerano fluentemente nas
ruas.
Como boa mineira, não pude deixar de
comparar a diferença histórica das duas regiões. Fiquei dias a pensar e me
apeguei ao fato de que aqui não existirem senzalas como nas cidades históricas
de Minas Gerais e as igrejas não são abarroadas de ouro.
Aqui, os imigrantes, trouxeram
experiência, história e tradições. As igrejas são minimalistas, construídas com
esforço e mérito por seus imigrantes e sua fé. A base de toda e qualquer igreja
é uma imagem advinda do exterior, em bagagens próprias dos imigrantes, semelhança
que se repete em vários distritos do interior com o marco inicial da construção
de uma igreja, um cemitério e um campo de futebol. Destaco que aqui, não
encontrei raízes escravocratas.
Divergências históricas a parte, adotei
o Espírito Santo como o meu lar, me conectei com mar e nunca mais quis
voltar... Casei com o mar e me perco nas montanhas esporadicamente. Do alto mar
vejo a costa espírito-santense e sofro uma catarse emocional “sine qua non”.
Não consigo descrever em palavras porque vai muito além disso, é uma sensação
indescritível. Uma riqueza natural única a ser admirada. Estar no mar, olhar
para costa, ver uma planície litorânea e ter ao fundo um emaranhado de
montanhas...
Em Aparecida me redescobri como descente
de imigrantes Italianos. Vivencio, na atualidade, toda a dificuldade enfrentada
por imigrantes, lógico, que hoje possuo mais recursos (estrutural e
tecnológico). A experiência com as Olimpíadas, me proporcionou constatar de
como as histórias se repetem, alguns ciclos viciosos, outros virtuosos que
muitas das vezes não os identificamos, ou apreciamos por estarmos vivendo no
“piloto automático da vida”.
Esse é o emaranhado de informação que
“fritou” meu cérebro nesta jornada. Me redescobri como pessoa, delimitei
espaços e tracei objetivos. Todas essas emoções e conhecimentos refletem
diretamente no meu trabalho, no ofício de ensinar.
Relato com amor e dor todas as emoções e
aprendizados vivenciados nesta experiência que tanto me surpreende e
decepciona. Dualidade ímpar que muita das vezes aprisiona, frustra, ensina e
liberta. Peço perdão, se no findar deste trabalho decepcionar meus “gestores”,
sinto muito.
A Olímpiada proporciona ao professor uma
abordagem técnica precisa e até mais agressiva para tratar determinados temas e
envolver os alunos com o intuito de sanar dificuldades. É o momento de uma
avaliação diagnóstica da turma para conhecer a realidade do aluno e suas
principais dificuldades em língua portuguesa. Após este momento é a hora de
levarmos um pouco de conhecimento, cultura, história, diálogo, senso crítico,
desenvolver leitura, enriquecer o vocabulário, estimular pesquisas, sanar
dificuldades, e principalmente, proporcionar a escrita.
O louvor dessa odisseia é relacionar-se
intimamente com os alunos. Aqui, descobrimos o que cada “centelha divina” (é
com esse sentimento que olho para o meu aluno) pensa, sabe e vivencia. Nos
envolvemos intimamente em seus “dizeres” mais secretos. O professor passa a ser
um sacerdote ministrando aulas para despertar o lúdico nesses seres, que,
muitas das vezes, são incompreendidos por nós, ou pelo meio que vive.
O ensinar, para atender esta competição,
nos frustra, pois nos deparamos com salas de aulas desprovidas de base
educacional. Realidade clássica e negativa de alunos que escrevem muito mal, ou
escrevem nada, leem mal, não possuem valores sociais críticos, sem coerência e sem
coesão. Alunos que não estão disponíveis em expressar a escrita, com várias
barreiras a serem desenvolvidas, sanadas e vencidas, estas, raramente serão
rompidas em 6 (seis) meses de trabalho para realizar esta atividade.
Ressalta-se que às vezes somos agraciados com turmas com base estrutural e educacional
com alunos que possuem o hábito de escrita, leitura, que gostam de aprender e
estudar.
O lado prático é que iniciamos o ano
letivo sabendo que até meados de agosto, precisamos ter textos técnicos e muito
bem redigidos para nos representar.
Começamos essa jornada em fevereiro,
precisamente na primeira quinzena, onde solicitei aos alunos uma produção de
texto, sem gênero e tema definidos. Um texto sem muito rigor para uma avaliação
diagnóstica. Um momento para identificar o domínio de cada aluno em relação aos
padrões da linguagem escrita. O objetivo deste diagnóstico não é contabilizar
os erros um a um, porém, agrupar problemas semelhantes para direcionar o
planejamento de atividades capazes de corrigi-los. Aqui nos deparamos com as
principais dificuldades da turma, atividade fundamental para saber o que é mais
importante ensinar.
Diante deste diagnóstico realizei um
plano de ação com o objetivo de melhorar o desempenho dos alunos. Diversas
oficinas foram realizadas antes do preparo de fato de um texto. Revisamos
classes gramáticas, ortografia, pontuação, palavras que causas dúvidas, figuras
de linguagem e estruturas de textos. Apresentei as regras básicas para produzir
um texto e os incentivei, ressaltando as qualidades de cada um com o intuito de
melhorar a autoestima. Este trabalho é uma força tarefa para o professor cujo objetivo
íntimo não é apenas participar e ganhar a olimpíada, e sim, ver a evolução dos seus
alunos.
Com o plano de ação delimitado, metas
definidas e objetivos a serem alcançados, começamos a compor nossos textos.
Textos que em um primeiro momento nos remete a tristeza do cotidiano tedioso,
para, no findar do trabalho, degustarmos textos com mais cor, sabor, alegria,
histórias e descobertas.
Em decorrência desta força tarefa, entrei
com material específico, extraído do próprio site das Olimpíadas sobre os
gêneros: Memórias Literárias (6o e 7o ano) e crônicas (8o
e 9o ano). Ministro aula para todos esses os anos e desenvolvo o
trabalho em conjunto para abrir o horizonte de conhecimento do aulo. Aqui
assistimos vídeos e iniciamos nossa pesquisa de campo.
O tema “O lugar onde vivo” muitas das
vezes confundi o aluno. O aluno pensa que o trabalho a ser realizado seria
descrever sua vida, seu cotidiano de maneira penosa e tediosa, mas, essa
primeira impressão termina no momento em que eles começam a pesquisar os
costumes, a formação histórica do lugar, quando em conversas com os mais velhos
descobrem suas histórias, seus segredos e origens.
Para fazer com que o aluno compreenda o
que seria uma Memória Literária, apresentei e trabalhei com diversos
textos finalistas de edições anteriores, tais como: DA ESCURIDÃO PARA O
COLORIDO, de Évelin Cristina Nascimento da Silva, baseado na entrevista
realizada com o Sr. Sarkis Ramos Alwan, 41 anos; ACENDE A FOGUEIRA DO MEU
CORAÇÃO, de Maria Emanuely dos Santos
Andrade, Texto baseado na entrevista realizada com Maria Núbia Matias
Vasconcelos, de 57 anos e DOCES MEMÓRIAS, de Adrielle Vieira de Oliveira, Texto
baseado na entrevista realizada com Lucy Ferreira Vieira, de 73 anos.
Com os alunos que teriam que produzir uma
Crônica, apresentei e trabalhei com diversos textos finalistas de
edições anteriores, tais como: A ÚLTIMA CRONICA DE CARLOS DRUMOND DE ANDRADE
-Cião; ESTRANHA NO NINHO, Iasmim Luíze Teófilo da Silva; A DEVOÇÃO FAZ O LUGAR,
Mel Eduarda Guimarães Silva e UM RAMINHO DE ARRUDA E UM ROSÁRIO NA MÃO, Emeli
Vichinieski Wieczorkoski.
Para atender aos quesitos do gênero
Memória Literária, realizamos uma entrevista com o exímio Professor de
Matemática da escola, Nivaldo Buback, uma vez que este professor é história
viva desta comunidade. Professor admirável pelo bom humor e experiência em
ensinar. Seu avô, Basílio Buback, foi um dos fundadores de Aparecida, foi
através deste ilustre imigrante austríaco visionário que tivemos o primeiro
comércio da região, as famosas vendas do interior, ele fora o responsável pela
construção da igreja, cemitério, um moinho de fubá e uma pila de café (atualmente
desativados), campo de futebol e dentre outros benefícios locais. O professor
com empenho e dedicação envolveu os alunos. A entrevista foi desenvolvida pelos
alunos com maestria que se dedicaram com entusiasmo.
Neste momento os alunos apresentaram
mural de fotos, uma mesa com materiais antigos, livro sobre a região, realizam
pesquisas e montaram um grupo de cantoria.
Os alunos montaram no improviso, uma
banda composta por um sanfoneiro e um trio de violeiros. Essa cantoria foi uma
iniciativa dos alunos para homenagear o entrevistado e relembrar o gosto
musical da região. A cantoria foi linda! Enriqueceu o nosso dia, a nossa escola
e as nossas vidas.
A Olimpíada não me revelou apenas
talentos para a escrita. Descobri talentos da música, da arte e exímios
contadores de casos.
Este relato, até o momento, mostrou o
lado lúdico e altruísta deste trabalho, o lado da aprendizagem e do crescimento.
É excepcional lidarmos com o crescimento intelectual, emocional e pessoal do
estudante. É o que nos gratifica. Entrar em uma sala de aula e ser ovacionada como
a melhor professora da escola. Somos acariciados ao sentir a metamorfose ocorrida
na vida estudantil. Percebemos que o verdadeiro mestre não se restringe apenas
ao intelectual, ele incentiva, educa o amadurecer, o construir...
O lado enfadonho é a conclusão de que
aqui sou uma forasteira. Forasteiros são mal vistos, não são bem quistos, são incompreendidos.
Ser proativo e assertivo é sinal de falta de educação, não ser prolixo é
questão de menosprezo; ter um planejamento produtivo e receber sempre uma
crítica destrutiva sobre o que os alunos escreveram fazem parte deste trabalho.
A falta de mérito é exclusiva do professor.
Diante do demérito pergunto: O que
podemos fazer para melhorar a didática para a próxima Olimpíada?
Precisamos de uma força tarefa, um plano
de ação, professor de língua portuguesa não vai extrair um brilhante texto
lúdico sozinho, e mesmo que o faça, este precisa ser lapidado com o auxílio de
todos. Precisamos organizar uma articulação horizontal e envolver todos os
componentes curriculares.
Professor de português sozinho não
consegui ministrar todos os aspectos desta Olimpíada, e ainda, continuar com
ensino obrigatório da Base Nacional Curricular Comum -BNCC. É uma sobrecarga de
trabalho muito grande.
Sinto-me angustiada por não alcançar os objetivos
traçados, os quais resultariam a nossa vitória, com pesar no coração repito: para
obter êxito, precisamos de uma força tarefa com o envolvimento de todos os
componentes curriculares e a participação ativa do “demais” gestores da
educação. Sinto-me realizada em ver a evolução intelectual dos alunos. A minha
glória é ver que alunos que achavam que não sabiam escrever e que não possuíam
criatividade se encontram escrevendo e citando textos pessoais, originais e
belíssimos provenientes das suas faixas etárias. Sinto-me honrada em acreditar
que esse aluno não vai mais perder oportunidades e que vai sonhar em construir
uma vida melhor.
Minha história, meu relato de amor e
guerra baseia no amor em ensinar, trabalhar, vivenciar, ver o prosperar,
valorizar os frutos em todos os aspectos. A guerra dedico a todos aqueles que
não vestem a camisa na arte de ensinar, que não sabem dividir e contribuir
positivamente para a evolução escolar e que simplesmente promovem a falência
emocional, que podam liberdades (com s mesmo), que minam o entusiasmo para que
a espontaneidade morra.