sábado, 7 de agosto de 2021

Aparecida, Alfredo Chaves/ES

 


UMA HISTÓRIA DE AMOR E GUERRA

 

Lucileyma Rocha Louzada Carazza

 

Tudo começou com as anotações de fatos, abandonando qualquer padrão e técnica de escrita ou pedagógica. Estava começando a compor os registros em rabiscos mal feitos em minha pasta pessoal, posteriormente, um grupo de estudo criado no aplicativo de WhatsApp também serviu de apoio, pois, foi aqui que registramos fotos, vídeos e experiências.

Sou professora na zona rural, na cidade de Alfredo Chaves/ES, local conhecido como a “Região da Costa de Imigração”. Trabalho em Aparecida, comunidade conhecida pela fé. Aqui há cachoeiras, pousadas, condomínios a beira de lagos ao pé das montanhas, com economia predominante no cultivo de café, banana e hortaliças. Lugar pacato, onde problemas climáticos críticos são desafios constantes dos moradores o que os tornam pessoas resilientes. Presenciei enchentes, tornados, desmoronamentos de terras e vi pessoas com um sorriso no rosto e uma lágrima na face recomeçar.

Além da agricultura e da geografia local (que tem grande potencial turístico), nesta região tão pitoresca do Espírito Santo, destaco a importância dos imigrantes italianos e alemães. Em Aparecida é possível se deparar com pessoas utilizando o dialeto pomerano fluentemente nas ruas.

Como boa mineira, não pude deixar de comparar a diferença histórica das duas regiões. Fiquei dias a pensar e me apeguei ao fato de que aqui não existirem senzalas como nas cidades históricas de Minas Gerais e as igrejas não são abarroadas de ouro.

Aqui, os imigrantes, trouxeram experiência, história e tradições. As igrejas são minimalistas, construídas com esforço e mérito por seus imigrantes e sua fé. A base de toda e qualquer igreja é uma imagem advinda do exterior, em bagagens próprias dos imigrantes, semelhança que se repete em vários distritos do interior com o marco inicial da construção de uma igreja, um cemitério e um campo de futebol. Destaco que aqui, não encontrei raízes escravocratas.

Divergências históricas a parte, adotei o Espírito Santo como o meu lar, me conectei com mar e nunca mais quis voltar... Casei com o mar e me perco nas montanhas esporadicamente. Do alto mar vejo a costa espírito-santense e sofro uma catarse emocional “sine qua non”. Não consigo descrever em palavras porque vai muito além disso, é uma sensação indescritível. Uma riqueza natural única a ser admirada. Estar no mar, olhar para costa, ver uma planície litorânea e ter ao fundo um emaranhado de montanhas...

Em Aparecida me redescobri como descente de imigrantes Italianos. Vivencio, na atualidade, toda a dificuldade enfrentada por imigrantes, lógico, que hoje possuo mais recursos (estrutural e tecnológico). A experiência com as Olimpíadas, me proporcionou constatar de como as histórias se repetem, alguns ciclos viciosos, outros virtuosos que muitas das vezes não os identificamos, ou apreciamos por estarmos vivendo no “piloto automático da vida”.

Esse é o emaranhado de informação que “fritou” meu cérebro nesta jornada. Me redescobri como pessoa, delimitei espaços e tracei objetivos. Todas essas emoções e conhecimentos refletem diretamente no meu trabalho, no ofício de ensinar.

Relato com amor e dor todas as emoções e aprendizados vivenciados nesta experiência que tanto me surpreende e decepciona. Dualidade ímpar que muita das vezes aprisiona, frustra, ensina e liberta. Peço perdão, se no findar deste trabalho decepcionar meus “gestores”, sinto muito.

A Olímpiada proporciona ao professor uma abordagem técnica precisa e até mais agressiva para tratar determinados temas e envolver os alunos com o intuito de sanar dificuldades. É o momento de uma avaliação diagnóstica da turma para conhecer a realidade do aluno e suas principais dificuldades em língua portuguesa. Após este momento é a hora de levarmos um pouco de conhecimento, cultura, história, diálogo, senso crítico, desenvolver leitura, enriquecer o vocabulário, estimular pesquisas, sanar dificuldades, e principalmente, proporcionar a escrita.

O louvor dessa odisseia é relacionar-se intimamente com os alunos. Aqui, descobrimos o que cada “centelha divina” (é com esse sentimento que olho para o meu aluno) pensa, sabe e vivencia. Nos envolvemos intimamente em seus “dizeres” mais secretos. O professor passa a ser um sacerdote ministrando aulas para despertar o lúdico nesses seres, que, muitas das vezes, são incompreendidos por nós, ou pelo meio que vive.

O ensinar, para atender esta competição, nos frustra, pois nos deparamos com salas de aulas desprovidas de base educacional. Realidade clássica e negativa de alunos que escrevem muito mal, ou escrevem nada, leem mal, não possuem valores sociais críticos, sem coerência e sem coesão. Alunos que não estão disponíveis em expressar a escrita, com várias barreiras a serem desenvolvidas, sanadas e vencidas, estas, raramente serão rompidas em 6 (seis) meses de trabalho para realizar esta atividade. Ressalta-se que às vezes somos agraciados com turmas com base estrutural e educacional com alunos que possuem o hábito de escrita, leitura, que gostam de aprender e estudar.

O lado prático é que iniciamos o ano letivo sabendo que até meados de agosto, precisamos ter textos técnicos e muito bem redigidos para nos representar.

Começamos essa jornada em fevereiro, precisamente na primeira quinzena, onde solicitei aos alunos uma produção de texto, sem gênero e tema definidos. Um texto sem muito rigor para uma avaliação diagnóstica. Um momento para identificar o domínio de cada aluno em relação aos padrões da linguagem escrita. O objetivo deste diagnóstico não é contabilizar os erros um a um, porém, agrupar problemas semelhantes para direcionar o planejamento de atividades capazes de corrigi-los. Aqui nos deparamos com as principais dificuldades da turma, atividade fundamental para saber o que é mais importante ensinar.

Diante deste diagnóstico realizei um plano de ação com o objetivo de melhorar o desempenho dos alunos. Diversas oficinas foram realizadas antes do preparo de fato de um texto. Revisamos classes gramáticas, ortografia, pontuação, palavras que causas dúvidas, figuras de linguagem e estruturas de textos. Apresentei as regras básicas para produzir um texto e os incentivei, ressaltando as qualidades de cada um com o intuito de melhorar a autoestima. Este trabalho é uma força tarefa para o professor cujo objetivo íntimo não é apenas participar e ganhar a olimpíada, e sim, ver a evolução dos seus alunos.

Com o plano de ação delimitado, metas definidas e objetivos a serem alcançados, começamos a compor nossos textos. Textos que em um primeiro momento nos remete a tristeza do cotidiano tedioso, para, no findar do trabalho, degustarmos textos com mais cor, sabor, alegria, histórias e descobertas.

Em decorrência desta força tarefa, entrei com material específico, extraído do próprio site das Olimpíadas sobre os gêneros: Memórias Literárias (6o e 7o ano) e crônicas (8o e 9o ano). Ministro aula para todos esses os anos e desenvolvo o trabalho em conjunto para abrir o horizonte de conhecimento do aulo. Aqui assistimos vídeos e iniciamos nossa pesquisa de campo.

O tema “O lugar onde vivo” muitas das vezes confundi o aluno. O aluno pensa que o trabalho a ser realizado seria descrever sua vida, seu cotidiano de maneira penosa e tediosa, mas, essa primeira impressão termina no momento em que eles começam a pesquisar os costumes, a formação histórica do lugar, quando em conversas com os mais velhos descobrem suas histórias, seus segredos e origens.

Para fazer com que o aluno compreenda o que seria uma Memória Literária, apresentei e trabalhei com diversos textos finalistas de edições anteriores, tais como: DA ESCURIDÃO PARA O COLORIDO, de Évelin Cristina Nascimento da Silva, baseado na entrevista realizada com o Sr. Sarkis Ramos Alwan, 41 anos; ACENDE A FOGUEIRA DO MEU CORAÇÃO,  de Maria Emanuely dos Santos Andrade, Texto baseado na entrevista realizada com Maria Núbia Matias Vasconcelos, de 57 anos e DOCES MEMÓRIAS, de Adrielle Vieira de Oliveira, Texto baseado na entrevista realizada com Lucy Ferreira Vieira, de 73 anos.

Com os alunos que teriam que produzir uma Crônica, apresentei e trabalhei com diversos textos finalistas de edições anteriores, tais como: A ÚLTIMA CRONICA DE CARLOS DRUMOND DE ANDRADE -Cião; ESTRANHA NO NINHO, Iasmim Luíze Teófilo da Silva; A DEVOÇÃO FAZ O LUGAR, Mel Eduarda Guimarães Silva e UM RAMINHO DE ARRUDA E UM ROSÁRIO NA MÃO, Emeli Vichinieski Wieczorkoski.

Para atender aos quesitos do gênero Memória Literária, realizamos uma entrevista com o exímio Professor de Matemática da escola, Nivaldo Buback, uma vez que este professor é história viva desta comunidade. Professor admirável pelo bom humor e experiência em ensinar. Seu avô, Basílio Buback, foi um dos fundadores de Aparecida, foi através deste ilustre imigrante austríaco visionário que tivemos o primeiro comércio da região, as famosas vendas do interior, ele fora o responsável pela construção da igreja, cemitério, um moinho de fubá e uma pila de café (atualmente desativados), campo de futebol e dentre outros benefícios locais. O professor com empenho e dedicação envolveu os alunos. A entrevista foi desenvolvida pelos alunos com maestria que se dedicaram com entusiasmo.

Neste momento os alunos apresentaram mural de fotos, uma mesa com materiais antigos, livro sobre a região, realizam pesquisas e montaram um grupo de cantoria.

Os alunos montaram no improviso, uma banda composta por um sanfoneiro e um trio de violeiros. Essa cantoria foi uma iniciativa dos alunos para homenagear o entrevistado e relembrar o gosto musical da região. A cantoria foi linda! Enriqueceu o nosso dia, a nossa escola e as nossas vidas.

A Olimpíada não me revelou apenas talentos para a escrita. Descobri talentos da música, da arte e exímios contadores de casos.

Este relato, até o momento, mostrou o lado lúdico e altruísta deste trabalho, o lado da aprendizagem e do crescimento. É excepcional lidarmos com o crescimento intelectual, emocional e pessoal do estudante. É o que nos gratifica. Entrar em uma sala de aula e ser ovacionada como a melhor professora da escola. Somos acariciados ao sentir a metamorfose ocorrida na vida estudantil. Percebemos que o verdadeiro mestre não se restringe apenas ao intelectual, ele incentiva, educa o amadurecer, o construir...

O lado enfadonho é a conclusão de que aqui sou uma forasteira. Forasteiros são mal vistos, não são bem quistos, são incompreendidos. Ser proativo e assertivo é sinal de falta de educação, não ser prolixo é questão de menosprezo; ter um planejamento produtivo e receber sempre uma crítica destrutiva sobre o que os alunos escreveram fazem parte deste trabalho. A falta de mérito é exclusiva do professor.

Diante do demérito pergunto: O que podemos fazer para melhorar a didática para a próxima Olimpíada?

Precisamos de uma força tarefa, um plano de ação, professor de língua portuguesa não vai extrair um brilhante texto lúdico sozinho, e mesmo que o faça, este precisa ser lapidado com o auxílio de todos. Precisamos organizar uma articulação horizontal e envolver todos os componentes curriculares.

Professor de português sozinho não consegui ministrar todos os aspectos desta Olimpíada, e ainda, continuar com ensino obrigatório da Base Nacional Curricular Comum -BNCC. É uma sobrecarga de trabalho muito grande.

Sinto-me angustiada por não alcançar os objetivos traçados, os quais resultariam a nossa vitória, com pesar no coração repito: para obter êxito, precisamos de uma força tarefa com o envolvimento de todos os componentes curriculares e a participação ativa do “demais” gestores da educação. Sinto-me realizada em ver a evolução intelectual dos alunos. A minha glória é ver que alunos que achavam que não sabiam escrever e que não possuíam criatividade se encontram escrevendo e citando textos pessoais, originais e belíssimos provenientes das suas faixas etárias. Sinto-me honrada em acreditar que esse aluno não vai mais perder oportunidades e que vai sonhar em construir uma vida melhor.

Minha história, meu relato de amor e guerra baseia no amor em ensinar, trabalhar, vivenciar, ver o prosperar, valorizar os frutos em todos os aspectos. A guerra dedico a todos aqueles que não vestem a camisa na arte de ensinar, que não sabem dividir e contribuir positivamente para a evolução escolar e que simplesmente promovem a falência emocional, que podam liberdades (com s mesmo), que minam o entusiasmo para que a espontaneidade morra.