terça-feira, 28 de setembro de 2010

Reflexos da reforma do CPC e da EC 45




A Lei 11.277/2006 que introduziu o artigo 285-A no Código de Processo Civil é compatível com os princípios do Processo do Trabalho? Responda exemplificando em que situações o instituto seria aplicável.

Inspirada evidentemente no princípio da economia processual e dirigida ao escopo de imprimir mais agilidade ao exercício da jurisdição civil surge a Lei 11.277/2006 para introduzir no CPC a figura do que podemos chamar de “julgamento da improcedência initio litis”, com o que se elimina (na especialíssima hipótese prevista no texto do art. 285-A do CPC), todo o procedimento restante de primeira instância deferindo-se o contraditório (citação e sua primeira manifestação) para o momento subseqüente à interposição do recurso de apelação pelo autor. O juiz profere uma decisão de mérito positiva in limine que não será substituída por sentença alguma, posto que esgota a atividade decisória; aqui, no “julgamento de improcedência initio litis”, a decisão de mérito negativa que se profere, desde logo, é substancial e formalmente sentença, mas também esgota a atividade decisória em primeiro grau.

Para Costa Machado1 “o fato é que a novíssima figura não infringe qualquer princípio constitucional porque, apesar da supressão de quase todo o procedimento de primeira instância (permanecem somente a petição inicial e a sentença):
a) ao autor é assegurado o contraditório via apelação e ao réu via resposta ao recurso;
b) garantia ampla defesa também não é violada porque, afinal, só cabe tal julgamento quanto à matéria é ventilada for unicamente de direito;
c) o princípio do duplo grau de jurisdição permanece identicamente intocado, porquanto duas decisões de mérito via de regra se produzirão no processo”.

Rodrigues Pinto2 sugeriu tratar-se da instituição da, sumula vinculante de primeiro grau, porque o magistrado passa a poder extinguir o processo com julgamento de mérito (art. 269, I, do CPC), in limine litis e inaudita altera parte, fiando-se em teses dominantes na própria vara ou juízo (sejam elas de sua lavra ou de outrem), desde que estejam presentes os seguintes requisitos:
(a) matéria exclusiva de direito;
(b) tese de improcedência;
(c) aplicação iterativa da tese (o que significa, em interpretação literal do texto, ao menos duas decisões no mesmo sentido, mas em “casos idênticos” o que, veremos, não significa necessária identidade de petitum e causa petendi). Em suma: tese jurídica iterativa de improcedência.

Não tardou, a Ordem dos Advogados do Brasil (Seção São Paulo), secundada pelo Instituto Nacional de Direito Processual (na condição de amicus curiae), ajuizou ação direta de inconstitucionalidade que tramita no STF sob n. 3.965/2006. Para argüir a tal inconstitucionalidade, divisou-se violação aos seguintes princípios constitucionais do processo:
(a) acesso ao Judiciário;
(b) simetria de tratamento processual (uma vez que o instituto favorece, em tese, apenas os réus e, mais raramente, os reconvindos);
(c) ampla defesa e contraditório;
(d) devido processo legal.

Entendemos que os institutos como o julgamento superantecipado da lide, a antecipação dos efeitos da tutela de mérito ou mesmo as liminares cautelares “inaudita altera parte” não ferem quaisquer princípios constitucionais. São técnicas processuais mais afinadas com a pós-modernidade, que acentuam a presteza e a efetividade da tutela jurisdicional (dimensões inalienáveis do due process of law); mas, nem por isso, vilipendiam garantias de defesa. Quando muito, postergam-nas. Acompanhamos, assim, Ada Pellegrini Grinover3, Nelson Nery Junior4, Jose Augusto Rodrigues Pinto5 e outros autores que não divisaram, no art. 285-A do CPC, qualquer inconstitucionalidade. Segundo Grinover, “A nova disposição não infringe nem o devido processo legal nem o contraditório, sendo este apenas diferido para o momento posterior a prolação da sentença antecipada, quando o autor pode recorrer e ate o juiz pode rever sua decisão [retratabilidade = § 1o]. Quanto ao réu, ele e beneficiado pela decisão e poderá contra-arrazoar o recurso e, se não houver recurso, será normalmente cientificado da decisão favorável”.

Podemos elencar os seguintes argumentos contrários à aplicabilidade do artigo 285-A do CPC ao processo do trabalho, que tem sido apontado pela doutrina. São eles:
a) processo do trabalho tem rito próprio exigindo o comparecimento das partes6;
b) princípio da conciliação e da necessidade das tentativas obrigatórias de acordo pelo juiz;
c) não há omissão da CLT;
d) o juiz do trabalho somente toma contato com o processo em audiência, pois a notificação é ato do diretor da vara (art. 841 da CLT)7;
e) descaracterização do procedimentos trabalhista que não prevê o despacho de recebimento inicial, tampouco o despacho saneador.

Por outro lado, há argumentos favoráveis à aplicação do artigo, dentre eles destacamos:
a) instrumentalidade do Processo do Trabalho;
b) racionalidade e efetividade ao procedimento8;
c) compatibilidade com o rito trabalhista e omissão da CLT (art. 769)9;
d) a retirada da expressão “conciliar” do art. 114, pela EC 45/04.10.

A cerca dos requisitos do “julgamento de improcedência initio litis”, o que se pode dizer, em primeiro lugar, é que não basta a existência de uma única causa idêntica já sentenciada; o texto é claro ao exigir “outros casos idênticos”. Em segundo lugar, chama a atenção de que o novo texto faz depender a admissibilidade desta forma excepcional de julgamento de as sentenças serem de “total improcedência em outros casos idênticos”. Em terceiro, não podemos deixar de falar do requisito expresso na necessidade de que “a matéria controvertida” seja “unicamente de direito”.

Explica-se a exigência facilmente: somente causas que não envolvam discussões e dúvidas sobre fatos podem gerar no magistrado a convicção, de pronto, de que o autor não tem razão; havendo qualquer dúvida no espírito do julgador sobre se a causa preenche tal requisito – e, por conseguinte, se ela é realmente idêntica à anteriormente julgadas – deixa de ter cabimento a nova figura. A parte final do art. 285-A deixa estampado de forma clara o poder que é conferido o juiz, e não o dever, de proferimento desta sentença de caráter excepcional.

Conclui-se que o Artigo 285-A do CPC é constitucional, pois não viola o contraditório e também não impede o acesso à Justiça. Há compatibilidade do artigo 285-A do CPC com o Processo do Trabalho. Cabe ao juiz do trabalho, como encarregado de zelar pela efetividade, racionalidade e celeridade do procedimento trabalhista, avaliar o custo benefício da utilização do artigo 285-A do CPC.

NOTAS:
1. Código de Processo Civil Interpretado – Costa Machado.
2. Pinto, José Augusto Rodrigues. “Constitucionalidade e supletivade do art. 285-A do CPC, in suplemento Trabalhista, São Paulo, LTr, 2006, n. 88, PP. 371 e 375.
3. Cf. Roseli Ribeiro, “Artigo 285-A do CPC: sentença sem citação gera polemica entre especialistas”, in Ultima Instancia, São Paulo, Entrelinhas Comunicação, 2006 (http://ultimainstancia.uol.com.br/noticia/ 27682. shtml, acesso em 30.10.06).
4. Idem, ibidem. Para Nery Jr., so haveria inconstitucionalidade se a hipótese fosse de sentenças inaudita altera parte de caráter procedente.
5. “Constitucionalidade e supletividade...”, p. 375. Na fundamentação (pp. 372-373), vale-se dos escólios de Nery Jr. E Pellegrini Grinover.
6. Nesse diapasão è a doutrina de Jorge Luiz Souto Maior: “Em uma primeira análise, pode parecer perfeitamente aplicável ao processo do trabalho o que prevê o novo artigo 285-A do CPC, baseando-se no argumento de que não há porque ouvir o réu, se quanto ao mérito da pretensão o juiz já tiver convicção formada que seja a seu favor. No entanto, a regra, que confere ao juiz uma faculdade, não o obrigando, portanto, a seguir tal procedimento, conflita com o procedimento trabalhista, já que ela evita o que se considera essencial no desenvolvimento do processo trabalhista, que é o contato do juiz com as partes, por meio do procedimento oral, sem falar no aspecto da ausência da tentativa de acordo. O fato é que o procedimento oral agrega valores que vão muito além da mera celeridade. Adotar esse procedimento é o primeiro passo para um caminho que mais tarde trará a "possibilidade de juntada de defesa por escrito"; "réplica", "despacho saneador", até se aniquilar o procedimento oral trabalhista. Esta previsão, de todo modo, pode ter um efeito reflexo interessante, que é o de permitir que se altere antiga concepção firmada na ciência processual de que a convicção formada em um processo não repercute em outros. A formação da convicção quanto à ocorrência ou não de determinado fato é dado que interfere na avaliação da prova produzida em outro processo sobre o mesmo tema, inegavelmente. A partir da instrução repetida sobre a mesma matéria natural que se forme uma presunção a respeito, fixando-se o ônus da prova em desfavor da parte contra a qual a presunção não favoreça”(REFLEXOS DAS ALTERAÇÕES DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL NO PROCESSO DO TRABALHO, Revista LTR, 70-08, págs.927/928).
7. Nesse sentido é a opinião de Estevão Mallet: “Incompatível com o processo do trabalho é a regra do art. 285-A, do Código de Processo Civil, que confere ao juiz a prerrogativa de, quando houver proferido sentença de improcedência em outros casos idênticos, dispensar a citação do reclamado, bastando que reproduza sua anterior decisão. No processo do trabalho a citação se faz independentemente de prévia cognição judicial, por ato de serventuário, na forma do art. 841, caput, da Consolidação das Leis do Trabalho. O exame da matéria controvertida pelo juiz se dá em audiência, depois de já citado o reclamado”(O PROCESSO DO TRABALHO E AS RECENTES MODIFICAÇÕES DO CÓDIGO DE PROCESSO CIVIL, In Revista LTR 70-06, p. 672).
8. Nesse sentido é a visão de Marcelo Rodrigues Prata: “O novo art. 285-A do CPC ao lhe incrementar a racionalidade e a celeridade é compatível com o sistema processual trabalhista (PRIMEIRAS NOTAS SOBRE A INOVAÇÃO LEGISLATIVA E SUES REFLEXOS NO PROCESSO TRABALHISTA – LEI N. 11.277, DE FEVEREIRO DE 2006, In Revista LTr. 70/08, p. 996).
9. Nesse sentido é a opinião de Manoel Antonio Teixeira Filho: “A norma do CPC é aplicável ao processo do trabalho (CLT, art. 769), observado o reparo de ordem léxica que formulamos (As Novas Leis Alterantes do Processo Civil e sua Repercussão no Processo do Trabalho In Revista LTr 70-03/297).
10. Em razão da supressão do termo “conciliar” do artigo 114, da CF, para os que entendem que as tentativas de conciliação pelo juiz são obrigatórias no Processo do Trabalho, já não há mais o óbice constitucional. A nosso ver tal supressão em nada altera o processo do trabalho, pois a solução conciliada do conflito tem sido a forma mais prestigiada pela doutrina para resolução dos conflitos, máxime os relacionados à relação de trabalho. De outro lado, a necessidade de conciliação está mencionada no artigo 764, da CLT. O fato do juiz não tentar a conciliação não acarretar a nulidade do processo, pois as próprias partes podem tomar tal providência. Além disso, a experiência demonstra que, em se tratando de matéria de direito, dificilmente há conciliação. De outro lado, também há a exigência no CPC, da necessidade de conciliação (artigo 331). Por isso, o óbice enfrentado no Processo do Trabalho para a ausência de tentativa de conciliação é o mesmo do CPC.



REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS:

1. CARRION, Valenti, - 1931-2000 – Comentários à Consolidação das Leis do Trabalho/Valentin Carrion. – 33. Ed. Atual. Por Eduardo Carrion. – São Paulo: Saraiva, 2008.
2. MACHADO, Costa. - CLT Interpretada. – Ed. Manole Ltda, Edição Brasileira 2007.
3. MARTINS, Sérgio Pinto. – Direito do Trabalho – 25º Edição – Editora Atlas 2009.
4. CONSTITUIÇÃO DA REPÚBLICA FEDERATIVA DO BRASIL DE 1998.
5. FIUZA, RICARDO – Novo Código Civil Comentado – 1 Edição – Ed. Saraiva 2003.
6. O “NOVÍSSIMO” PROCESSO CIVIL E O PROCESSO DO TRABALHO — UMA OUTRA VISÃO PRATA, Marcelo Rodrigues. O “novíssimo” Processo Civil e o Processo do Trabalho — Uma outra visão. Revista LTr, 71- 03/283. Material da 3a aula da Disciplina Reflexos da Reforma do CPC e da EC 45, ministrada no Curso de Pos- Graduação Lato Sensu TeleVirtual em Direito e Processo do Trabalho – Anhanguera-Uniderp| REDE LFG.
7. DINIZ, MARIA HELANA – NOVO CÓDIGO CIVIL COMENTADO, Editora Saraiva.


Por Lucileyma.

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