Eneatipo IV
Extraído do livro “Autoconocimiento Transformador” do
Dr. Claudio Naranjo
(...)No plano emocional, o elemento mais característico
do E4 é a inveja. Esta consiste em uma comparação dolorosa com os demais, que
pode ser sentida como falta de valor pessoal, rancor competitivo ou um excessivo
empenho em conseguir reconhecimento. A inveja pode estar dirigida para pessoas
concretas – por exemplo, um irmão ou uma irmã – ou ser mais geral, como a que
se pode sentir contra o sexo oposto, os privilegiados ou os ricos.
Mas o mais típico do E4 é um sofrimento exagerado.
Embora o E2, de personalidade histriônica, também seja teatral, o E4 se inclina
para uma teatralização de corte trágico. Fritz Perls chamava a algumas mulheres
invejosas e “as rainhas da tragédia”, querendo destacar o uso que fazem do
sofrimento para ressaltar a sua própria importância e como atraem a atenção com
suas necessidades frustradas.
Nos primeiros anos da nossa vida, todos nós conhecemos o
chorar como forma de chamar a atenção. Se os bebês choram para conseguir os
cuidados maternos, na personalidade do E4 esse traço se exagera de uma forma
manipuladora. Se superdimensiona o sofrimento com o fim de atrair uma atenção
que, de outra maneira, não chegaria nunca. Podemos falar de uma “sedução através
do sofrimento”, tão efetiva como a sedução através do agrado.
(...) A disposição caracterológica do E4 conduz com
frequência a pessoa a situações autenticamente dolorosas. De algum modo, uma
antecipação negativa acaba criando uma realidade externa que confirma a dita
expectativa; por isso, não seria acertado falar de um “sofrimento imaginário”.
É fato que existem pessoas cujas tendências subjetivas as tem levado ao centro
cirúrgico cinco, seis... ou até sete vezes, e está claro que uma operação nunca
é algo agradável. Há pessoas que dão a impressão de atrair a má sorte, e
realmente sofrem acidentes e passam por verdadeiras tragédias. Um conceito
adequado seria o de “autoderrota”, ainda que o modo em que opera esse
autoderrotismo possa ser inconsciente ou aparentemente misterioso.
Seria incompleto dizer que a dinâmica inconsciente que
se esconde por trás do sofrimento do E4 é somente sedutora. O sofrimento e a
expressão da frustração podem atuar como substitutos da capacidade de pedir,
como indutores de culpa no outro ou como elemento de castigo. Assim, a frase
“Veja o quanto eu sofro por sua causa” constitui um estratagema para gerar
culpa. Basta pensar na mãe que diz ao seu filho: “Quando eu morrer você vai me
entender”, ou “Tua insensibilidade vai me matar”, ou ainda “ Um dia desses vou
ter um ataque do coração por sua culpa”, etc. Por outro lado, o sofrimento pode
ser “masoquista”, no sentido de que a pessoa deseja assumir uma frustração ou
uma dor excessiva a partir de sua necessidade de ser amada ou para considerar-se
como merecedora de amor.
Em geral, a história dos indivíduos desse caráter começa
com circunstâncias dolorosas no período da infância. Esta é uma verdade
universal, já que se pode dizer que todos os nossos problemas remontam
à infância; porém no caso do E4 existe mais recriação do passado, mais nostalgia
e um sentido intenso do valor do que foi perdido: amiúde, para não dizer quase
sempre, as perdas reais fazem com que conheçamos já em idade precoce o
sentimento de luto, mas, diferentemente de outras pessoas que esquecem ou se
resignam, os indivíduos do E4 albergam um agudo sentimento de “paraíso
perdido”.
Há aqueles que, diante de situações dolorosas, reduzem
suas necessidades. Outros desenvolvem uma fortaleza austera. Outros ainda se
retraem, apartando-se do mundo. Mas no E4 permanece um intenso desejo, um anelo
de amor que se torna uma dependência excessiva, uma espécie de “adição ao
amor” (no sentido de vício). O amor se converte em algo necessário ao extremo,
sem o qual a vida é uma tragédia. Não se deve buscar o motivo disso somente na
frustração do passado, mas sim na psicodinâmica que se estabeleceu: se anseia o
amor como compensação de uma falta de amor a si mesmo, por um estado de
frustração e autorrejeição intenso e já crônico. Por tudo isso, se torna difícil
também, para essas pessoas, suportar a solidão afetiva. Para elas, a solidão
implica na dor de sentir que se confirma a sua autoimagem denegrida. Os
orientais, principalmente a cultura japonesa, sustentam que no Ocidente
atribuímos demasiado valor ao amor romântico. Dizem que lhe concedemos um lugar
excessivamente monolítico em nossa vida, desproporcional ao seu valor real. Seja
qual for a importância do amor romântico em nossa cultura, é certo que no tipo 4
existe uma crença excessiva no amor como solução de tudo.
A inveja é irmã dos sentimentos de inferioridade, culpa
e vergonha. As pessoas E4 tendem a verem-se a si mesmas com estúpidas, tolas,
feias e, às vezes, inclusive repulsivas física e moralmente. Vão pela vida com o
sentimento de ser uma espécie de monstro típico dos contos. E, como frustração
crônica acarreta ira (consciente ou inconsciente), a pessoa E4 tem motivos para
sentir-se peçonhenta, perversa, víbora, etc. Não obstante, todas essas
personificações monstruosas da parte sombria também refletem um forte
autodenegrimento. Assim como as pessoas do E2 engrandecem a imagem que tem de si
mesmos, as do E4 a arruínam.
Os subtipos do E4 são tão diferentes entre si como as
variantes do E6, de modo que existe um grande contraste entre o subtipo
enraivecido (sexual) e o triste (social): enquanto que o primeiro se queixa e
reclama abertamente, o segundo é demasiado tímido para expressar os seus
desejos, a menos que o faça intensificando seu sofrimento, como se dissesse:
“Você vê como eu preciso de ajuda?”.
(...) Freud, em um de seus últimos trabalhos, compilou
essa estrutura caracterológica como “os que se sentem excepcionais”, querendo
referir-se àqueles que sentem que a vida está em dívida consigo e que isso lhes
dá o direito de desfrutar de algumas vantagens.
(...) Ainda que o interesse da obra de Proust supere com
sobras o meramente caracterológico, constitui um documento muito rico para
apreciar a psicologia do E4: a emoção predominante é a nostalgia.
(...) Tímido ou desaforado, envergonhado ou despeitado,
o indivíduo E4 tem uma personalidade hipersensível, que busca proteção e
superproteção, e que sofre desproporcionalmente por falta de consideração ou
reconhecimento. Como sucede com o E2, o E4 é emocional e com inclinações
estéticas. As expressões emocionais românticas, sentimentais, emocionalmente
intensas e violentas são características tanto do E2 quanto do E4, não só na
vertente do sofrimento como também na da alegria. As pessoas E4 do subtipo
sexual costumam ser arrogantes, apesar do seu sentimento geral de inferioridade
e da sua propensão para a culpa. (...) Existe uma dor consciente por sentirem-se
incompreendido, de modo que adotam uma atitude arrogante para serem
reconhecidos. Entre as pessoas talentosas existe amiúde uma atitude de “gênio
incompreendido”.
(...) O E4 não só se caracteriza por sua tendência
artística, como também por um interesse mais geral pela cultura e uma aspiração
ao refinamento social, levada ao extremo da afetação e do esnobismo. Essas
tendências refletem a inveja (entendida como a vontade de incorporar algo de
bom), mas também o desejo de conter ou ocultar um sentimento de violência que se
torna vergonhoso, porque se percebe como algo rude e feio. Os indivíduos E4podem
estar cheios de obsessões e normas sobre como deveriam se as coisas. E, claro
está, como estão tão necessitados, são alvo fácil da frustração e do desânimo,
independentemente de que essa necessidade se expresse de modo imperioso ou
dissimulado.
Sua necessidade de serem tratados de forma muito
especial, juntamente com as fricções normais produzidas pelas diferenças entre
as pessoas, fazem com que os E4 sejam muito fáceis de ferir. Isto se complica
ainda mais pelas muitas ideias preconcebidas que eles têm sobre como deveria ser
a convivência.
Do mesmo modo que existe um marcante contraste entre as
variantes assertiva e tímida do E4 (agressiva e triste, respectivamente), ambas
as formas de apego excessivo diferem de um terceiro estilo de personalidade, o
subtipo de conservação, que não é nem melodramático, nem abertamente
competitivo. Eu o cataloguei como “contradependente”, por analgia com a variante
contrafóbica do E6 (na qual o medo dificilmente está consciente). A inveja
nestes casos se torna menos aparente, e assim como a variante agressiva do E4 se
parece ao E2 por sua arrogância, a contradependente se parece ao E1 por sua
grande autonomia. Neste subtipo se produz uma retroflexão das exigências orais
sobre si mesmo e a pessoa é mais masoquista que melodramática; pode reprimir uma
grande dor sem o menor gesto e sofrer muito para merecer amor.
(...) Atualmente, os psicoterapeutas costumam
diagnosticar o E4 como personalidade “masoquista depressiva”, personalidade
autoinvalidadora ou personalidade limítrofe, sendo, com sobras, o tipo que mais
recorre à ajuda profissional para tratar sintomas psicológicos ou problemas
vitais.