"...A solitude somente surge quando você atravessa
a solidão. A solitude é a alegria de ter se encontrado e de estar bem consigo
mesmo - ela é o fim da dependência. A solidão é um estado de isolamento e
separação, onde você está desesperadamente querendo encontrar alguém para te
aliviar. Como alguém que está sufocado, atravessando um deserto, e encontra uma
água, um refresco, para tomar e quer que esse refresco dure a vida
toda..."
Sri Prem Baba
Sri Prem Baba
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Pergunta:
Querido Prem Baba, há três anos, eu me enamorei de uma pessoa e jurei que havia
encontrado tudo o que procurava. Após algumas decepções, encontro-me hoje no
vale da codependência, numa disputa para ver quem rejeita mais e melhor. Você
disse que, para experienciar o amor divino, primeiro temos que viver as
alegrias e misérias do amor humano, e que relacionamento é a universidade da
vida. Eu tenho mesmo que completar essa universidade? Ou posso trancar a
matrícula e fazer um curso de pós-graduação?
Prem
Baba: Esse tem sido um tema recorrente nas últimas semanas, e eu vou dizer por
quê.
Eu
tenho dito que, para experienciar o amor divino, faz-se necessário viver as
alegrias e as misérias do amor humano; e que os relacionamentos são a
universidade da vida. Se olharmos a vida a partir de um determinado ângulo,
poderemos compreender que ela é formada de relacionamentos – relacionamento com
tudo. Você está constantemente se relacionando com algo, quer seja outra
pessoa, pensamentos, sentimentos, ou outras coisas que estão fora de você. Mas,
é na relação com outra pessoa que você tem a chance de se aprofundar no
conhecimento de si mesmo.
Quanto
maior o envolvimento com o outro, mais você projeta nele os conteúdos que ainda
não foram integrados dentro de você. O outro se torna um espelho para que você
possa ver as partes que ainda estão separadas. O outro está sempre sinalizando
que há uma parte em você que ainda está machucada e que ainda precisa de
reconhecimento e de acolhimento; precisa ser respeitada e amada. Porque, esse
encontro com o outro faz com que você toque nas feridas que ainda não foram
curadas no seu sistema: feridas de humilhação, rejeição, abandono e exclusão.
A
relação facilmente toca na sua carência; na sua necessidade de receber amor
exclusivo, e também nos seus mecanismos de defesa, criados para evitar que você
entre em contato com essa dor. Os mecanismos mais comuns são filhos do orgulho:
a obstinação e o medo. Esses mecanismos são aperfeiçoados ao longo do tempo
para fazer com que o outro nos dê atenção, amor e respeito. Você acaba se
especializando em encontrar os pontos sensíveis do outro, e assim, você vai apertar
aquele botão com a intenção de fazê-lo olhar para você e te amar. Mas, com
isso, o que você consegue é tirar o pior dele para fora. Isso acontece porque
você está forçando o outro e o amor somente pode surgir do amor.
Forçar
o outro a te dar, é uma expressão do ódio. Talvez seja difícil enxergar o ódio,
mas eu lhe afirmo que é o ódio. É apenas uma questão de tempo para você
perceber isso. Talvez você já possa perceber uma expressão do ódio, que é o
egoísmo. Você não está preocupado com o outro, você está somente pensando em si
mesmo. Você quer que o outro esteja totalmente a sua disposição; exatamente do
jeito que você quer e na hora que você quer. Mas, o outro tem as suas feridas e
não quer te dar porque também quer receber. Ele também vai tentar te provocar
para ter o poder sobre você.
Você
pode passar algumas encarnações nessa escola, até porque você esquece o
objetivo do curso. Você se encanta com a disputa, e esquece que você está ali
para iluminar o perdão e o amor. Você esquece que está ali para curar as
feridas, e se libertar do passado, para poder se harmonizar com a sua
constelação familiar. E, com isso, poder se libertar do mecanismo de projeção,
e ver Deus no outro. Para poder dar ao invés de querer receber; para poder
deixar o outro livre inclusive para não te amar.
Mas,
você se esquece do fato de que entrou numa relação para expandir a consciência,
e é facilmente encantado pelo mundo maravilhoso de Walt Disney: “Encontrei o
príncipe encantado; agora eu encontrei a minha princesa, e serei feliz para
sempre...”. Hummm... (risos) Voltemos para os fundamentos básicos do Vedanta:
Você está vendo uma corda, não uma cobra, mas está completamente iludido com a
ideia de estar vendo uma cobra, e está tentando ser um treinador de cobras.
Mas, a cobra não existe, é só uma corda.
Veja
o tamanho desse paradoxo: Relacionamento é a universidade da vida e ao mesmo
tempo é onde o ser humano mais perde o seu precioso tempo.
Pergunta:
Como saber se estamos perdendo nosso tempo ou não?
Prem
Baba: Tenha calma, eu vou chegar lá. Nessa hora é preciso ter calma. Temos que
respirar profundamente... Esse não é um assunto simples, é o maior desafio do
ser humano, porque estamos lidando com o núcleo da ilusão. É a única chave para
você acordar e, ao mesmo tempo, se você não encontra a chave, você pode passar
muitas vidas ali, dormindo...
Eu
tenho visto muitos buscadores espirituais, completamente absorvidos por essa
questão. O buscador diz: “Eu quero Deus; eu quero realmente me encontrar com a
verdade; por favor, inicie a mim no caminho da verdade...” Então, o primeiro
teste que Deus manda é uma pessoa, para você ver onde realmente está. Muitos
acabam caindo nesse vale da codependência, e esquecem-se completamente do seu
compromisso com a verdade. Porque acreditam que encontrarão a felicidade
duradoura no relacionamento. Isso é uma crença profundamente enraizada; isso
não é real.
É
muito fácil você permanecer nesse encantamento, porque o ‘eu’ sofredor precisa
gerar sofrimento para continuar vivo. É daí que nascem todos os frequentes
dramas, que são reedições do karma que fez com que você nascesse na família em
que nasceu. A escolha dos seus parceiros faz com que você reedite as feridas na
vida adulta. Existe uma chance para você identificar essa imagem que está
congelada no seu sistema e que faz com que você repita aquela situação
negativa. Existe um padrão negativo que faz você rejeitar e ser rejeitado. Essa
é a essência do drama: quando você abre o outro fecha; quando você fecha o
outro abre.
É
claro que, de acordo com o seu repertório, existem diferentes nuances, mas em
essência, você está apaixonado por alguém que não quer saber de você. Isso se
alterna constantemente na relação. Às vezes, dentro de uma hora. Porque o
prazer está atrelado ao negativo e, neste caso, a única forma que a entidade
consegue sentir prazer é sendo machucado ou machucando. Esse é o principal
encantamento. É por isso que o mundo está onde está. O que sustenta a
destrutividade e a maldade no mundo? O prazer que você tem nisso. Eu chamo de
“pacto de vingança” esse prazer negativamente orientado.
Quando
você fala “sim” o outro fala “não”; quando você fala “não” o outro fala “sim”.
Quando você se abre, o outro se desinteressa e arruma outra pessoa - você se
fecha, o outro se enche de interesse por você... Isso é uma radiografia do
inferno! (risos) Mas, essa é a condição do ser humano com a mente condicionada.
O
relacionamento é uma chance para descondicionar a mente, mas para isso, é
preciso estar realmente muito atento no seu propósito. Então, eu compreendo
que, às vezes, é melhor trancar a matrícula e fazer um curso técnico. (risos)
Eu
tenho falado algumas vezes nessa temporada, a respeito desse processo do brahmacharya,
que é um florescimento, mas que, às vezes, pode ser também uma austeridade
inteligente.
Eu
vejo que nós temos focalizado esse assunto repetidas vezes, porque parece que
tem mesmo uma urgência no ar. Quando o barco está muito para um lado, para
poder encontrar o caminho do meio, é preciso virar totalmente a direção, para
chegar novamente ao prumo. Muitos ouviram meus ensinamentos em relação à
importância do relacionamento, mas se esqueceram de ficar atentos e foram
tomados por esse programa da personalidade, que acredita que o outro é
realmente a porta da realização. O outro é mesmo um espelho, uma porta para
você se enxergar. Mas, a felicidade e a paz que você busca, não estão no outro.
Essa felicidade e essa paz duradoura estão dentro de você.
Por
que é tão fácil se encantar com o outro? Por que é tão fácil se encantar com a
falsa promessa de que ele vai trazer felicidade duradoura? Porque, se você se
livra dessa ilusão, você terá que encarar um deserto - o deserto da solidão.
A
solitude somente surge quando você atravessa a solidão. A solitude é a alegria
de ter se encontrado e de estar bem consigo mesmo - ela é o fim da dependência.
A solidão é um estado de isolamento e separação, onde você está
desesperadamente querendo encontrar alguém para te aliviar. Como alguém que
está sufocado, atravessando um deserto, e encontra uma água, um refresco, para
tomar e quer que esse refresco dure a vida toda...
Chega
um momento nessa jornada em direção ao real, em que você precisa encarar a
solidão. E por que você não encara a solidão? Porque você não se suporta. E é
justamente por isso que você não consegue se relacionar bem com o outro. Você
fica um pouco consigo mesmo, e encontra um monte de buracos: irritação,
tristeza, ansiedade e muitas outras carências. É isso que você apresenta para o
outro quando o encontra. O outro também tem as suas carências, e é por isso que
fica esse jogo de esconde-esconde. Esse jogo funciona como um instrumento de
aprendizado, quando você está consciente disso; quando você, em algum grau, está
“presente” dentro dessa relação para poder absorver os aprendizados; para
perceber que está projetando no outro o seu passado; que você tem histórias mal
resolvidas com a sua família. Você ainda tem contas abertas, ou seja, mágoas e
ressentimentos que você projeta no outro. Quando você começa a ver que não é o
outro, mas você que projeta, e que não importa a montanha de defeitos do outro,
mas o grão de defeito em você - e você foca nesse grão - o relacionamento pode
ser uma boa medicina para você.
Eu
rezo para que essa medicina realmente ilumine o perdão, o amor e a liberdade,
para que, em algum momento, você possa se relacionar com o outro na luz, e não
na sombra. Eu espero que o encontro possa ser uma celebração, e não um campo de
batalha.
Às
vezes, para poder redirecionar os vetores da sua vontade, é bom ficar sozinho.
Principalmente quando está muito obstinado na sua codependência.
Eu
sinto que é natural uma alternância, até que, pouco a pouco, você possa
enxergar a corda e não a cobra. Essa percepção da realidade espiritual queima
os desejos e liberta você do jogo da luxúria. Assim, você pode se entregar para
a sua prática espiritual e para Deus, não como uma fuga do relacionamento, mas
porque você constatou que aprendeu o que tinha que aprender. Você já viveu
suficientemente as alegrias e as misérias do amor humano.
Alguns,
por força do karma, vão manter-se relacionados; vão criar uma família e ter
filhos. E é possível se dedicar à vida espiritual, mesmo estando numa família.
Mas, é importante que você esteja atento para compreender os seus apegos. Por
que você está ali? Para quê? Quem em você está se movendo na direção da família
ou do brahmacharya?
Para
completar essa questão, quem em você quer trancar a matrícula da universidade?
Essa é uma decisão que vem da sua presença? Está vindo do seu coração? Ou está
vindo do seu medo, ou da sua decepção?
Esteja
atento: eu não estou julgando a atitude que nasce do medo ou da decepção. Não
estou dizendo que isso é bom ou ruim. Eu estou chamando a sua atenção, para que
você esteja consciente de “quem” está agindo. Essa consciência é o suficiente.
Não
existe uma regra. O que é remédio para um, pode ser veneno para outro e
vice-versa.
O
meu trabalho é para que você se mova em direção à verdade; que você se mova em
direção ao vital, ao real. Esse não é um trabalho simples, porque significa o
fim da ilusão. Eu estava achando curioso ver tantas pessoas interessadas nesse
caminho, porque esse sempre foi um caminho para poucos. Alguma coisa está
mudando no mundo. O que as pessoas querem, é uma verdade congelada, que compram
no mercado e que traz a iluminação instantânea. Mas, esse processo de encarar a
verdade e largar o falso, não é simples. A verdade, às vezes, é intragável. Há
que se ter disposição para fazer essa viagem.
Quem
sou eu? Quem habita esse corpo?
Quando
eu passo uma mensagem como essa, vejo que alguns vão brilhando e outros vão
murchando: “Onde está a minha ilusão?”.
Tenha
calma. Cada um tem o seu tempo. Se você precisa cristalizar a sua ilusão por
mais algum tempo, que assim seja. Eu nunca julgo se é certo ou errado. Isso não
existe. Eu só ilumino. Alguns podem captar essa luz, outros não. Tudo bem, esse
é o jogo.
Quando
eu falo de cura, estou me referindo a essa mudança do eixo, de querer dar ao
invés de receber. Quando você entra nisso, você está livre da carência. Se você
vai querer estar com alguém ou não, é outro problema. Você é livre para fazer o
que quiser - desde que você saiba se mover nesse mundo sem se perder.
Maharaj
ji uma vez disse: “Prem Baba, esse mundo é muito bonito, mas não se meta com
ele que ele te pega!” Ele não dava discursos, e sempre ia direto ao ponto...
Abençoado
seja cada um de vocês. Que o mistério de dar ao invés de receber seja
iluminado.
Até
o nosso próximo encontro.
NAMASTE