terça-feira, 19 de março de 2013

Sri Prem Baba




"...A solitude somente surge quando você atravessa a solidão. A solitude é a alegria de ter se encontrado e de estar bem consigo mesmo - ela é o fim da dependência. A solidão é um estado de isolamento e separação, onde você está desesperadamente querendo encontrar alguém para te aliviar. Como alguém que está sufocado, atravessando um deserto, e encontra uma água, um refresco, para tomar e quer que esse refresco dure a vida toda..."
Sri Prem Baba

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Pergunta: Querido Prem Baba, há três anos, eu me enamorei de uma pessoa e jurei que havia encontrado tudo o que procurava. Após algumas decepções, encontro-me hoje no vale da codependência, numa disputa para ver quem rejeita mais e melhor. Você disse que, para experienciar o amor divino, primeiro temos que viver as alegrias e misérias do amor humano, e que relacionamento é a universidade da vida. Eu tenho mesmo que completar essa universidade? Ou posso trancar a matrícula e fazer um curso de pós-graduação?

Prem Baba: Esse tem sido um tema recorrente nas últimas semanas, e eu vou dizer por quê.

Eu tenho dito que, para experienciar o amor divino, faz-se necessário viver as alegrias e as misérias do amor humano; e que os relacionamentos são a universidade da vida. Se olharmos a vida a partir de um determinado ângulo, poderemos compreender que ela é formada de relacionamentos – relacionamento com tudo. Você está constantemente se relacionando com algo, quer seja outra pessoa, pensamentos, sentimentos, ou outras coisas que estão fora de você. Mas, é na relação com outra pessoa que você tem a chance de se aprofundar no conhecimento de si mesmo.

Quanto maior o envolvimento com o outro, mais você projeta nele os conteúdos que ainda não foram integrados dentro de você. O outro se torna um espelho para que você possa ver as partes que ainda estão separadas. O outro está sempre sinalizando que há uma parte em você que ainda está machucada e que ainda precisa de reconhecimento e de acolhimento; precisa ser respeitada e amada. Porque, esse encontro com o outro faz com que você toque nas feridas que ainda não foram curadas no seu sistema: feridas de humilhação, rejeição, abandono e exclusão.

A relação facilmente toca na sua carência; na sua necessidade de receber amor exclusivo, e também nos seus mecanismos de defesa, criados para evitar que você entre em contato com essa dor. Os mecanismos mais comuns são filhos do orgulho: a obstinação e o medo. Esses mecanismos são aperfeiçoados ao longo do tempo para fazer com que o outro nos dê atenção, amor e respeito. Você acaba se especializando em encontrar os pontos sensíveis do outro, e assim, você vai apertar aquele botão com a intenção de fazê-lo olhar para você e te amar. Mas, com isso, o que você consegue é tirar o pior dele para fora. Isso acontece porque você está forçando o outro e o amor somente pode surgir do amor.

Forçar o outro a te dar, é uma expressão do ódio. Talvez seja difícil enxergar o ódio, mas eu lhe afirmo que é o ódio. É apenas uma questão de tempo para você perceber isso. Talvez você já possa perceber uma expressão do ódio, que é o egoísmo. Você não está preocupado com o outro, você está somente pensando em si mesmo. Você quer que o outro esteja totalmente a sua disposição; exatamente do jeito que você quer e na hora que você quer. Mas, o outro tem as suas feridas e não quer te dar porque também quer receber. Ele também vai tentar te provocar para ter o poder sobre você.

Você pode passar algumas encarnações nessa escola, até porque você esquece o objetivo do curso. Você se encanta com a disputa, e esquece que você está ali para iluminar o perdão e o amor. Você esquece que está ali para curar as feridas, e se libertar do passado, para poder se harmonizar com a sua constelação familiar. E, com isso, poder se libertar do mecanismo de projeção, e ver Deus no outro. Para poder dar ao invés de querer receber; para poder deixar o outro livre inclusive para não te amar.

Mas, você se esquece do fato de que entrou numa relação para expandir a consciência, e é facilmente encantado pelo mundo maravilhoso de Walt Disney: “Encontrei o príncipe encantado; agora eu encontrei a minha princesa, e serei feliz para sempre...”. Hummm... (risos) Voltemos para os fundamentos básicos do Vedanta: Você está vendo uma corda, não uma cobra, mas está completamente iludido com a ideia de estar vendo uma cobra, e está tentando ser um treinador de cobras. Mas, a cobra não existe, é só uma corda.

Veja o tamanho desse paradoxo: Relacionamento é a universidade da vida e ao mesmo tempo é onde o ser humano mais perde o seu precioso tempo.

Pergunta: Como saber se estamos perdendo nosso tempo ou não?

Prem Baba: Tenha calma, eu vou chegar lá. Nessa hora é preciso ter calma. Temos que respirar profundamente... Esse não é um assunto simples, é o maior desafio do ser humano, porque estamos lidando com o núcleo da ilusão. É a única chave para você acordar e, ao mesmo tempo, se você não encontra a chave, você pode passar muitas vidas ali, dormindo...

Eu tenho visto muitos buscadores espirituais, completamente absorvidos por essa questão. O buscador diz: “Eu quero Deus; eu quero realmente me encontrar com a verdade; por favor, inicie a mim no caminho da verdade...” Então, o primeiro teste que Deus manda é uma pessoa, para você ver onde realmente está. Muitos acabam caindo nesse vale da codependência, e esquecem-se completamente do seu compromisso com a verdade. Porque acreditam que encontrarão a felicidade duradoura no relacionamento. Isso é uma crença profundamente enraizada; isso não é real.

É muito fácil você permanecer nesse encantamento, porque o ‘eu’ sofredor precisa gerar sofrimento para continuar vivo. É daí que nascem todos os frequentes dramas, que são reedições do karma que fez com que você nascesse na família em que nasceu. A escolha dos seus parceiros faz com que você reedite as feridas na vida adulta. Existe uma chance para você identificar essa imagem que está congelada no seu sistema e que faz com que você repita aquela situação negativa. Existe um padrão negativo que faz você rejeitar e ser rejeitado. Essa é a essência do drama: quando você abre o outro fecha; quando você fecha o outro abre.

É claro que, de acordo com o seu repertório, existem diferentes nuances, mas em essência, você está apaixonado por alguém que não quer saber de você. Isso se alterna constantemente na relação. Às vezes, dentro de uma hora. Porque o prazer está atrelado ao negativo e, neste caso, a única forma que a entidade consegue sentir prazer é sendo machucado ou machucando. Esse é o principal encantamento. É por isso que o mundo está onde está. O que sustenta a destrutividade e a maldade no mundo? O prazer que você tem nisso. Eu chamo de “pacto de vingança” esse prazer negativamente orientado.

Quando você fala “sim” o outro fala “não”; quando você fala “não” o outro fala “sim”. Quando você se abre, o outro se desinteressa e arruma outra pessoa - você se fecha, o outro se enche de interesse por você... Isso é uma radiografia do inferno! (risos) Mas, essa é a condição do ser humano com a mente condicionada.

O relacionamento é uma chance para descondicionar a mente, mas para isso, é preciso estar realmente muito atento no seu propósito. Então, eu compreendo que, às vezes, é melhor trancar a matrícula e fazer um curso técnico. (risos)

Eu tenho falado algumas vezes nessa temporada, a respeito desse processo do brahmacharya, que é um florescimento, mas que, às vezes, pode ser também uma austeridade inteligente.

Eu vejo que nós temos focalizado esse assunto repetidas vezes, porque parece que tem mesmo uma urgência no ar. Quando o barco está muito para um lado, para poder encontrar o caminho do meio, é preciso virar totalmente a direção, para chegar novamente ao prumo. Muitos ouviram meus ensinamentos em relação à importância do relacionamento, mas se esqueceram de ficar atentos e foram tomados por esse programa da personalidade, que acredita que o outro é realmente a porta da realização. O outro é mesmo um espelho, uma porta para você se enxergar. Mas, a felicidade e a paz que você busca, não estão no outro. Essa felicidade e essa paz duradoura estão dentro de você.

Por que é tão fácil se encantar com o outro? Por que é tão fácil se encantar com a falsa promessa de que ele vai trazer felicidade duradoura? Porque, se você se livra dessa ilusão, você terá que encarar um deserto - o deserto da solidão.

A solitude somente surge quando você atravessa a solidão. A solitude é a alegria de ter se encontrado e de estar bem consigo mesmo - ela é o fim da dependência. A solidão é um estado de isolamento e separação, onde você está desesperadamente querendo encontrar alguém para te aliviar. Como alguém que está sufocado, atravessando um deserto, e encontra uma água, um refresco, para tomar e quer que esse refresco dure a vida toda...

Chega um momento nessa jornada em direção ao real, em que você precisa encarar a solidão. E por que você não encara a solidão? Porque você não se suporta. E é justamente por isso que você não consegue se relacionar bem com o outro. Você fica um pouco consigo mesmo, e encontra um monte de buracos: irritação, tristeza, ansiedade e muitas outras carências. É isso que você apresenta para o outro quando o encontra. O outro também tem as suas carências, e é por isso que fica esse jogo de esconde-esconde. Esse jogo funciona como um instrumento de aprendizado, quando você está consciente disso; quando você, em algum grau, está “presente” dentro dessa relação para poder absorver os aprendizados; para perceber que está projetando no outro o seu passado; que você tem histórias mal resolvidas com a sua família. Você ainda tem contas abertas, ou seja, mágoas e ressentimentos que você projeta no outro. Quando você começa a ver que não é o outro, mas você que projeta, e que não importa a montanha de defeitos do outro, mas o grão de defeito em você - e você foca nesse grão - o relacionamento pode ser uma boa medicina para você.

Eu rezo para que essa medicina realmente ilumine o perdão, o amor e a liberdade, para que, em algum momento, você possa se relacionar com o outro na luz, e não na sombra. Eu espero que o encontro possa ser uma celebração, e não um campo de batalha.

Às vezes, para poder redirecionar os vetores da sua vontade, é bom ficar sozinho. Principalmente quando está muito obstinado na sua codependência.

Eu sinto que é natural uma alternância, até que, pouco a pouco, você possa enxergar a corda e não a cobra. Essa percepção da realidade espiritual queima os desejos e liberta você do jogo da luxúria. Assim, você pode se entregar para a sua prática espiritual e para Deus, não como uma fuga do relacionamento, mas porque você constatou que aprendeu o que tinha que aprender. Você já viveu suficientemente as alegrias e as misérias do amor humano.

Alguns, por força do karma, vão manter-se relacionados; vão criar uma família e ter filhos. E é possível se dedicar à vida espiritual, mesmo estando numa família. Mas, é importante que você esteja atento para compreender os seus apegos. Por que você está ali? Para quê? Quem em você está se movendo na direção da família ou do brahmacharya?

Para completar essa questão, quem em você quer trancar a matrícula da universidade? Essa é uma decisão que vem da sua presença? Está vindo do seu coração? Ou está vindo do seu medo, ou da sua decepção?

Esteja atento: eu não estou julgando a atitude que nasce do medo ou da decepção. Não estou dizendo que isso é bom ou ruim. Eu estou chamando a sua atenção, para que você esteja consciente de “quem” está agindo. Essa consciência é o suficiente.

Não existe uma regra. O que é remédio para um, pode ser veneno para outro e vice-versa.

O meu trabalho é para que você se mova em direção à verdade; que você se mova em direção ao vital, ao real. Esse não é um trabalho simples, porque significa o fim da ilusão. Eu estava achando curioso ver tantas pessoas interessadas nesse caminho, porque esse sempre foi um caminho para poucos. Alguma coisa está mudando no mundo. O que as pessoas querem, é uma verdade congelada, que compram no mercado e que traz a iluminação instantânea. Mas, esse processo de encarar a verdade e largar o falso, não é simples. A verdade, às vezes, é intragável. Há que se ter disposição para fazer essa viagem.

Quem sou eu? Quem habita esse corpo?

Quando eu passo uma mensagem como essa, vejo que alguns vão brilhando e outros vão murchando: “Onde está a minha ilusão?”.

Tenha calma. Cada um tem o seu tempo. Se você precisa cristalizar a sua ilusão por mais algum tempo, que assim seja. Eu nunca julgo se é certo ou errado. Isso não existe. Eu só ilumino. Alguns podem captar essa luz, outros não. Tudo bem, esse é o jogo.

Quando eu falo de cura, estou me referindo a essa mudança do eixo, de querer dar ao invés de receber. Quando você entra nisso, você está livre da carência. Se você vai querer estar com alguém ou não, é outro problema. Você é livre para fazer o que quiser - desde que você saiba se mover nesse mundo sem se perder.

Maharaj ji uma vez disse: “Prem Baba, esse mundo é muito bonito, mas não se meta com ele que ele te pega!” Ele não dava discursos, e sempre ia direto ao ponto...

Abençoado seja cada um de vocês. Que o mistério de dar ao invés de receber seja iluminado.

Até o nosso próximo encontro.

 

NAMASTE