quarta-feira, 9 de abril de 2014

SOBRE O AMOR


SOBRE O AMOR

Quando o amor vos chamar, segui-o,
Embora seus caminhos sejam agrestes e escarpados.
E quando ele vos envolver com suas asas, cedei,
Embora a espada oculta na sua plumagem possa ferir-vos.
E quando ele vos falar, acreditai nele,
Embora sua voz possa despedaçar vossos sonhos, como o vento devasta o jardim.
Pois, da mesma forma que o amor vos coroa, assim ele vos crucifica.
E da mesma forma que contribui para vosso crescimento, trabalha para vossa poda;
E da mesma forma que alcança vossa altura
E acaricia vossos ramos mais tenros que se embalam ao sol,
Assim também desce até vossas raízes,
E as sacode no seu apego à terra.
Como feixes de trigo, ele vos aperta junto ao seu coração;
Ele vos debulha para expor a vossa nudez;
Ele vos peneira para libertar-vos das palhas;
Ele vos mói até a extrema brancura;
Ele vos amassa até que vos torneis maleáveis.
Então, ele vos leva ao fogo sagrado e vos transforma no pão místico do banquete divino.
Todas essas coisas, o amor operará em vós,
Para que conheçais os segredos dos vossos corações,
E com esse conhecimento, vos convertais no pão místico do banquete divino.
Todavia, se no vosso temor, procurardes somente a paz do amor e o gozo do amor,
Então seria melhor para vós, que cobrísseis vossa nudez e abandonásseis a eira do amor,
Para entrar num mundo sem estações,
Onde rireis, mas não todos os vossos risos,
E chorareis, mas não todas as vossas lágrimas.
O amor nada dá senão de si próprio,
E nada recebe senão de si próprio.
O amor não possui, nem se deixa possuir,
Pois o amor basta-se a si mesmo.
Quando um de vós ama, que não diga: “Deus está no meu coração”,
Mas que diga antes: “Eu estou no coração de Deus”.
Não imagineis que possais dirigir o curso do amor,
Pois o amor, se vos achar dignos, determinará ele próprio o vosso curso.
O amor não tem outro desejo, senão o de atingir a sua plenitude.
Se, contudo, amardes e precisardes ter desejos, sejam estes os vossos desejos:
De vos diluirdes no amor, e serdes como um riacho que canta sua melodia para a noite;
De conhecerdes a dor e sentir ternura demasiada;
De ficardes feridos por vossa própria compreensão do amor
E de sangrardes de boa vontade e com alegria;
De acordardes na aurora com o coração alado e agradecerdes por um novo dia de amor;
De descansardes ao meio-dia e meditardes sobre o êxtase do amor;
De voltardes pra casa à noite com gratidão;
E de adormecerdes com uma prece no coração para o Bem-Amado,
E nos lábios uma canção de bem-aventurança.


(Khalil Gibran – trecho do livro “O Profeta”)